Há 12 anos, Arimatéia Dantas, organiza anualmente a Marcha Contra Corrupção e Pela Vida, no sertão do Piauí. A iniciativa já rendeu melhorias para a população das cidades por onde passou. Prefeituras, Câmaras de Vereadores e Secretarias, que nunca tinham sido abertas ao povo, foram palco de fiscalização popular. Em 2013 a Marcha tem como alvo a indústria da seca. Sabia mais sobre essa história, suas conquistas e seus desafios na entrevista feita com Dantas:
Como se manifesta a corrupção no setor da água no Piauí, uma das regiões mais pobres e secas no Brasil e como isso afeta a vida das pessoas?
Arimatéia Dantas – Dos 224 municípios do Piauí, atualmente 199 se encontram em estado de calamidade por causa da seca. A falta de agua nas épocas de seca deixa o povo do sertão dependente de carros-pipas. As escolhas das localidades e das famílias que serão beneficiadas pelos carros geralmente são feitas pelo poder público local. Na escolha as forças politicas que estão no poder beneficiam suas bases eleitorais e usam a água para “convencer” novos eleitores a integrarem suas bases.
Vi de perto o sofrimento do sertanejo principalmente nestas duas últimas marchas (2010 e 2011). Em Marcolândia (PI) visitamos casas e percebemos o quanto a água é preciosa. A esperança de terem água continuamente enche os olhos de esperança. A manifestação do sentimento é na flor da pele, quase tocável. Quando fomos beber um pouco da água sentimos que além de rara é de péssima qualidade. Beber, lavar roupas, higiene pessoal e outras atividades ficam negligenciados. As crianças e idosos sofrem mais com os efeitos desta carência. A situação piora quando se olha os plantios secos e os animais morrendo de sede. É nesta situação que o voto é garimpado com facilidade. A fragilidade física e social do sertanejo faz com que a troca de seu voto por água seja um ato de sobrevivência. A torpeza e crueldade dos políticos que se aproveitam desta situação lhes rendem vitórias eleitorais e força política na cúpula partidária.
Soma-se a isto o fato que os recursos usados para aluguel dos carros pipas circularem no meio de um grupo preparado para dar sustentação a esta politica que chamamos de indústria da seca. A demora na construção de adutoras que levariam água a milhares de lares e obras mal feitas servem de propaganda governamental que disfarça a verdadeira política de eternização da seca. Ainda se aproveitam da distribuição de alimentos, sementes e etc. para se manterem no poder e fortalecer a fraqueza dos sertanejos.
A corrupção se manifesta na “troca do voto” e depois se estende com os desvios de verbas de obras e de políticas públicas.
Exemplo disto são as cisternas de plástico. Estas cisternas não suportam o calor do sertão. Foram liberados mais de 200 milhões de reais para compra destas cisternas favorecendo empresários e multinacionais. Há muito tempo fazemos cisternas de cimento que duram por dezenas de anos e custa a metade da outra.
Soma-se a este quadro o baixo grau de escolaridade do sertanejo o que torna o campo fértil para ações de desvios de recursos e uso ilícito do poder, bem como pequeno percentual de risco de serem denunciados atos de corrupção.
Esta situação afeta a vida do sertanejo em toda a sua dimensão se destacando a material que o deixa refém dos efeitos da seca e dos corruptos. Destaca-se, ainda, a psicológica, pois a construção de sonhos e esperanças é devastada pela realidade que tende a piorar. Resta no meio de tanto desafio a fé em Deus e os santos do nordeste como o Pe. Cicero, São Francisco e Frei Damião nos quais buscam o milagre de um futuro mais digno.
Neste contexto a 12ª Marcha se lança ao desafio de conclamar os sertanejos para uma nova postura, uma ação libertadora por meio da fiscalização das contas públicas e denuncia da corrupção e da ineficiência.
O que inspirou você a organizar a primeira Marcha há 13 anos atrás?
Arimatéia Dantas – A primeira Marcha aconteceu em 2001 e foi motivada pela impunidade no Piauí. A mídia sempre denunciava escândalos graves e não se tinha uma resposta por parte dos órgãos responsáveis, especialmente o Ministério Público Estadual.
A Força-Tarefa Popular (FTP) já tinha muitos levantamentos de atos cruéis de corrupção como desvio de dinheiro de maternidade. A Rede de Jovens do Nordeste-Piauí teve a ideia de realização de uma marcha para denunciar a situação de omissão da sociedade e corrupção dos gestores. A FTP abraçou a ideia de realizamos juntamente com o movimento sindical e Rede de Jovens.
Nos anos seguintes a FTP assumiu as marchas. Durante estes ano foram escolhidos alguns temas específicos como a fiscalização do SUS, a fome e o direito à informação.
O interesse pelo tema da água surgiu com as marcha de 2010, 2011 e 2012, todas realizadas no semiárido da região de Picos. Nestes três anos pudemos ver a seca e seus efeitos de perto. Ao caminhar nos deparamos com muitas obras de adutoras paradas, saneamento básico abandonado, postos de saúde construídos pela metade. O contato com o povo do sertão e com seu desespero e fragilidade, devido à falta de água, bem como a manipulação dos votos, motivaram a construção e uma marcha especifica.
Depois de organizar a marcha por 12 anos, você poderia nos contar alguma história de sucesso onde o progresso tem tido um impacto?
Arimatéia Dantas – Estes 12 anos tem sido de crescimento e amadurecimento. No inicio proclamávamos a necessidade do povo reagir à corrupção e cobrávamos ação das autoridades. Nossa utopia hoje se realiza nas praças e ruas do Brasil. Claro que somos apenas uma no meio de tantas vozes que quebraram o silencio na década passada. Mas já colhemos pequenos sucessos.
Em 2008, no município de Castelo do Piauí, a FTP teve acesso as prestações de contas do município referente ao ano de 2007 (TC-E-1227 Tribunal de Contas do Estado do Piauí). Um dos gastos que chamou atenção foi o valor de R$371.567,82 destinados à construção de sistemas de abastecimento de água em sete povoados. A Marcha foi visitar o povoado Buritizinho do Geraldo que havia recebido R$14.989,43 para construção de casa de bomba, reservatório, chafariz pré-moldado, equipamento e canalização.
A visita à comunidade revelou que a obra não havia sido feita e que havia um poço perfurado há anos. Na reunião com os moradores foram apresentados os documentos oficiais que demonstravam a liberação das verbas e prestação de contas, inclusive destacando a assinatura do prefeito. O fato foi denunciado ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado.
Poucos meses depois os chafarizes foram feitos e hoje a comunidade tem água em suas casas. Importante destacar que o fato da FTP deixar na comunidade cópias dos documentos assinados pelos gestores e ensinar os cidadãos a fiscalizarem teve um grande impacto. Colocou-se os atos de corrupção em debate.
Este é um caso, dentre vários convênios e obras que foram fiscalizados e seguem sendo monitorados. Na Marcha de 2012 percebemos que, em todos os municípios visitados, os gestores se preocuparam em mostrar as obras. Quando não estavam pessoalmente designavam um funcionário para prestar esclarecimentos.
Percebemos que as ações das Marchas anteriores impactaram diretamente os municípios, que se mostram preocupados agora em prestar contas.
Quais são as suas expectativas para a Marcha de 2013?
Arimatéia Dantas – Acredito que será a mais importante de todas devido a pauta da seca e a conjuntura brasileira. No que refere à seca vamos tentar colocar no debate nacional e internacional a crueldade que é a indústria da seca e a manipulação do voto por água. Temos no Piauí 25 grandes barragens que acumulam cerca de 3 bilhões de metros cúbicos de água. Há autorização do congresso para liberação de R$676 milhões para a seca do nordeste. Para o Piauí foram noticiados a liberação R$260,1 milhões para construção de novas barragens. O Brasil tem recursos e tecnologia para construção de obras que podem mudar a vida do sertanejo e acabar de vez com a indústria da seca. Nosso objetivo é estimular e fortalecer a cidadania ativa dos sertanejos para fiscalizar e cobrar politicas públicas eficientes e gestão transparente, combater a corrupção e integrar a grande batalha para acabar com a indústria da seca.