Durante um longo final de semana em Bruxelas, Bélgica, 36 europeus se reuniram em uma sala onde passaram cerca de 48 horas – parando apenas para dormir por curtos períodos e se alimentar com bebidas e produtos energéticos. Era um hackathon, ou uma maratona hacker. Um evento onde programadores se unem com designers, jornalistas e ativistas para criar, em um curto espaço de tempo, projetos digitais, aplicativos ou produtos inovadores.
Os hackers reunidos nesses encontros não atacam a segurança de computadores ou invadem a privacidade alheia. São pessoas, a maioria voluntários, que acreditam que podem contribuir para um governo mais transparente através do uso da tecnologia para o bem.
O último hackathon europeu contou com pessoas que viajaram de países de toda a União Europeia para criar algo que faça o Parlamento Europeu prestar contas e também encoraje os cidadãos a votarem nas eleições de maio.
Computadores são marcados com adesivos que avisam "este é um NSA – dispositivo monitorado" e um sinal na porta dizia "ignorância é força”. Quando os trabalhos começaram, um hacker da Hungria gritou: "Nós queremos encontrar a sujeira!", e foi recebido com aplausos.
Falta de informação na Europa
A Hackathon Europeia foi organizada por Xavier Dutoit. Ele trabalha com ONGs para ajudá-las a usar a tecnologia. O que começou como um plano para reunir alguns amigos em sua cidade natal se transformou em um evento continental, com mais de 200 candidatos inscritos.
"O espírito de hacker – todo mundo aqui está pensando a mesma coisa: sabemos que algo está errado e sabemos também que podemos fazer algo para corrigir", disse Dutoit.
Quando o Parlamento Europeu foi eleito pela primeira vez em 1979, o número de eleitores em toda a União Europeia foi de 62%. Desde então, esse número tem diminuído constantemente. Cada vez menos eleitores vão às urnas.
Quando se trata de eleições nacionais no Reino Unido, por exemplo, a raiva contra a classe política é citada como a principal razão para a apatia dos eleitores, que não fazem questão de votarem.
Dutoit acredita que a Europa sofre com a falta de informação. "Há uma enorme lacuna entre o poder do Parlamento Europeu e o conhecimento dele por parte dos cidadãos. Isso me assusta. Em nível nacional, nós agimos para os políticos prestarem contas. Mas as únicas pessoas que fiscalizam os deputados do parlamento europeu estão na Bolha de Bruxelas”, disse.
Informação
Alguns hackers participantes da maratona se interessam em desafiar as leis. Um grupo, por exemplo, construiu uma ferramenta que permite os usuários avaliarem a agenda relacionada a preservação ambiental de seus deputados, em um ranking de "amigo do clima" até "assassino do clima".
Outro grupo criou um site com uma campanha para contestar a União Europeia sobre leis de direitos autorais, devido a uma frustração por não conseguirem acessar os vídeos do YouTube na Alemanha: "isso não é uma questão nacional. A internet não tem fronteiras", disse Florian Stascheck, desenvolvedor do site.
Já um grupo maior de hackers passou o final de semana em uma sala separada examinando centenas de documentos individuais, que compõem as declarações de interesse dos 766 membros do Parlamento Europeu. Cada documento, que está escrito à mão, na língua dos deputados e digitalizado em formato PDF, deve ser traduzido e adicionado manualmente a uma planilha.
De acordo com os hackers, é a primeira vez que alguém tentou sistematizar essas informações, solicitando a prestação de contas das ações. Eles estão criando o primeiro banco de dados popular deste tipo na União Europeia.
A exigência para os deputados declararem suas fontes de financiamento e potenciais conflitos de interesse tornou-se obrigatório, pela primeira vez em 2012, devido a um trecho do novo código de conduta introduzido pelo Parlamento Europeu. A decisão seguiu o escândalo de propina-para-leis, quando quatro deputados foram acusados de aceitar dinheiro para influenciar a legislação. O deputado austríaco Ernst Strasser foi preso por suborno em janeiro deste ano.
PDFs on-line “não é governo aberto”
Muitas ONGs estão descontentes, pois o parlamento não demonstra interesse de adotar os aplicativos e o uso da tecnologia para se tornar mais transparente e não levam as iniciativas a sério. Ronny Patz, que trabalha para a Transparência Internacional, organização que a AMARRIBO Brasil representa no país, questionou a atuação do parlamento. "Por que nós, cidadãos e voluntários, temos que passar todo o final de semana em Bruxelas, disponibilizando documentos em grego e lituano, apenas para fazer os nossos representantes prestarem contas? A informação passa pelas mãos dos administradores do parlamento – simplesmente despejar arquivos PDFs em um site não é sinal de um governo aberto".
Embora o projeto ainda não esteja completo, os hackers estão criando uma campanha que usa a tecnologia para tornar a União Europeia transparente. O compromisso final deles é uma carta aberta, dirigida ao secretário-geral, que exige mais transparência e acesso para que o parlamento seja aberto na prática.
"Há conhecimento tecnológico aqui, assim como há também uma atmosfera de idealismo", disse O'Huiginn, um dos hackers participantes. "Na Bósnia, ninguém acredita que pode mudar a forma corrupta e incompetente dos políticos. Aqui, as pessoas simplesmente escrevem alguns códigos e fazem algo para mudar isso
No Brasil
O Brasil também tem desenvolvido algumas maratonas hackers. A mais recente foi a realizada na Campus Party, no mês passado, em São Paulo. A proposta era desenvolver soluções para transformar a comunicação dos professores e melhorar o ensino.
A Câmara dos Deputados também se mostrou interessada no trabalho dos hackers do bem e deu início, neste ano, às atividades do “Laboratório Hacker” com o objetivo de desenvolver projetos para aproximar a população no Legislativo. A ideia é melhorar a participação do cidadão no ambiente virtual, incentivando assim, a democracia participativa.
No final do ano passado, a Câmara dos Deputados realizou um concurso hackathon com o objetivo de promover o desenvolvimento de projetos que visassem o aumento da transparência na divulgação de informações públicas por meio de tecnologias digitais. O Instituto de Fiscalização e Controle (IFC) ficou entre os finalistas.
Em 2012, na 15ª Conferência Internacional Anticorrupção (IACC), organizada pela AMARRIBO Brasil e pela Transparência Internacional, foi realizado o “IACC Hackathon”. O concurso premiou as melhores iniciativas tecnológicas para solucionar problemas ligados à corrupção.
Além dos hackathons, há no Brasil grupos permanentes de hackers, um deles é o Transparência Hacker. Os voluntários deste grupo trabalham com dados governamentais abertos e buscam mostrar a importância dessas informações para a sociedade, ao mesmo tempo em que pressionam o governo brasileiro a disponibilizar tais dados de maneira acessível para qualquer cidadão. Se quiser conhecer a Transparência Hacker, acesse https://www.facebook.com/transparencia.hacker.
Outro grupo é o Champs. Os integrantes desta equipe venceram o primeiro Hackathon do governo de Minas Gerais. O Champs criou o http://dataminas.info, um site feito para auxiliar qualquer pessoa entender as contas do governo.
Já para quem é de São Paulo pode conhecer um hackerspace,o Garoa Hacker Clube. Ele é um laboratório comunitário que propicia a troca de conhecimento através de uma infraestrutura para que pessoas interessadas em tecnologia realizem projetos em diversas áreas.
Originalmente publicado em: http://www.theguardian.com/technology/2014/jan/28/hackers-hold-the-european-parliament-to-account
Tradução: AMARRIBO Brasil