ENTREVISTA: Marco Civil da Internet não pode ser confundido com censura

O Marco Civil da Internet (PL 2126/11) ainda não foi aprovado. O projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados desde outubro de 2013 estabelece uma série de princípios, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Em entrevista ao Participatório da Juventude, o coordenador geral de novas mídias da Secretaria Nacional de Articulação Social (SNAS), Ricardo Poppi, esclarece os pontos considerados polêmicos do texto do documento, fazendo uma análise global do momento que o Brasil vive hoje.

O projeto de relatoria do Deputado Alessandro Molon (PT) é pioneiro na democratização das comunicações no Brasil. O texto da Lei foi construído coletivamente pela sociedade civil e diversas instituições. O Marco pode tornar o País uma referência no uso saudável da internet a partir de regulamentação. Entretanto, muitos ainda vêem a “Constituição da Internet” como algo que pode cercear a liberdade de expressão e colocar a internet a serviço do governo e de grandes corporações. Está estabelecido um jogo de interesses entre diversas forças devido à complexidade de pautas como “privacidade” e “neutralidade da rede”. 

PARTICIPATÓRIO – Existe algum outro país com internet regulamentada ou o Brasil pode se tornar uma referência com o Marco Civil da Internet?

POPPI – Esse tipo de regulamentação com a amplitude do Marco Civil da Internet é completamente novo para o mundo. O Brasil inova enquanto abrangência de conteúdos no texto da lei e também pela forma participativa com que a proposta do Marco Civil foi construída. Existem países que colocam a internet como direito humano na Constituição, em outros países há níveis diversos de regulamentação. O que diferencia do Brasil é em relação à amplitude e o método de construção, tanto que o Marco Civil está sendo chamado popularmente como “Constituição da Internet”.

PARTICIPATÓRIO – O Marco Civil pode afetar princípios como a privacidade dos usuários?

POPPI – O Marco Civil regulamenta práticas que já existem. Hoje há uma prática onde é possível requisitar dados de conexão de usuários sem ordem judicial. Com a Lei isso vai mudar, ou seja, melhora a privacidade. Por outro lado os ativistas estão criticando muito o artigo 16, que estabelece que o provedor deve guardar os de dados de navegação por seis meses. Muitos comparam esse artigo com as ações da National Security Agency (NSA) nos Estados Unidos. Isso talvez seja um exagero, mas o ponto é polêmico porque há provedores que não guardam os dados de navegação. Então, quem não guarda passa a ser obrigado a guardar. Na verdade, dentro do jogo democrático, as forças de segurança pública querem ter acesso aos dados para investigação de crimes, por exemplo. É difícil mesmo sopesar todos esses interesses e necessidades.

PARTICIPATÓRIO – Todas as empresas provedoras de internet passarão a ser responsáveis judiciais pelo conteúdo demandado e divulgado por qualquer usuário em território brasileiro?

POPPI – Não. Os provedores deixam de ter a responsabilidade sobre o conteúdo publicado pelos usuários. Portanto, os provedores não poderão retirar um conteúdo simplesmente porque uma grande corporação exigiu. Vai ser preciso uma ordem judicial para que o conteúdo seja removido. Esse é um ponto bem positivo do projeto.

PARTICIPATÓRIO – Como o conceito de “neutralidade da rede” está sendo pensado dentro do Marco Civil da Internet? Haverá diferença de velocidade e de preços dependendo dos tipos de conteúdos acessados pelos usuários?

POPPI – O princípio da neutralidade significa que todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas da mesma forma, com a mesma velocidade. Mas existem exceções quanto aos aspectos técnicos ou serviços de emergência. E são essas exceções que os ativistas temem. Por exemplo, se houver um serviço de telemedicina que precise ser urgente, ele vai ser priorizado. O texto exige que os provedores devam agir com proporcionalidade, informando aos usuários os serviços que está priorizando e os seus motivos. Atualmente é possível que muitas operadoras boicotem determinados serviços, reduzindo ou aumentando a velocidade de dados conforme os seus vínculos empresariais. Isso vai acabar, pois o projeto define a neutralidade da rede como obrigação.

PARTICIPATÓRIO – Hoje a internet no Brasil é de uso completamente livre e democrático. Como a liberdade do usuário continuará sendo exercida mesmo diante de uma regulação governamental?

POPPI – É importante que a sociedade civil compreenda que a regulação da internet também vem para proteger os princípios da rede, aquilo que já existe. O usuário continua com sua liberdade de expressão garantida.

PARTICIPATÓRIO – Por que é tão comum ouvirmos usuários afirmarem que o Marco Civil é uma forma de censura, de controle governamental e corporativista?

POPPI – A internet é um ambiente historicamente fundado pelas comunidades de software livre e comunidades acadêmicas. Os governos chegaram depois. Por mais que o projeto inicial tenha sido financiado pelo governo americano, a liberdade de criar sempre foi das universidades, dos pesquisadores. Então existe um temor muito grande de que, muitas vezes for falta de compreensão, algumas posições dos Governos e das Empresas possam desfigurar o caráter original da internet. Mas como já falei, nesse caso a regulamentação vem para proteger e reafirmar os aspectos fundamentais da Internet.

PARTICIPATÓRIO – É possível dizer que a regulamentação da internet é um avanço para a democracia brasileira?

POPPI – Atualmente, ninguém pode garantir que uma força autoritária venha a desfigurar os princípios da rede. A regulação tem que ser vista por todos como uma forma de proteger a internet de forças privadas que possam desfigurar esses princípios. É uma defesa bem clara do Marco Civil. Não dá para fazer um julgamento completo apenas olhando para uma ou outra questão do texto da Lei e dizer que a Lei inteira não é positiva para a sociedade. Alguns pontos são frutos de uma correlação de forças da nossa democracia. Mas o Marco Civil da Internet é sim uma referência para o mundo.

Fonte: Participatório da Juventude

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Marco Civil da Internet: a liberdade não é negociável

A votação do Marco Civil da Internet na Câmara dos Deputados, projeto de lei que estabelece regras para a internet no Brasil, foi adiada para a próxima semana. O projeto foi elaborado através de uma consulta pública criada pelo Ministério da Justiça em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

O anteprojeto recebeu contribuições da sociedade entre outubro de 2009 e maio de 2010, através de um blog criado especialmente para a discussão. A plataforma recebeu mais de 2 mil comentários diretos, além de outras manifestações populares através do Twitter e outras redes sociais.

O projeto foi enviado para a Câmara dos Deputados em 2011. Em julho do ano seguinte, sem quórum o projeto não foi votado antes do recesso dos parlamentares. Quatro meses depois a votação já havia sido adiada por não menos que cinco vezes. Agora, com os escândalos de espionagem no ciberespaço brasileiro, após revelações do ex-agente da CIA  Edward Snowden, o projeto de lei tramita em regime de urgência.

O deputado, Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto, comentou em um artigo de opinião, no jornal Folha de São Paulo,  a demora na aprovação da também conhecida como Constituição da Internet.  “Por mais de um ano, provedores de conexão têm conseguido impedir a votação do projeto na Câmara dos Deputados, pressionando contra a garantia de uma rede defensora dos direitos dos internautas e neutra, isto é, que não fraciona o acesso a conteúdos em blocos pagos separadamente”.

Segundo Molon, a tentativa dos opositores era que a internet fosse como uma TV por assinatura, onde os provedores cobrarão de acordo com os conteúdos visitados e com a velocidade dos usuários. “Desejavam, também, ampliar seus negócios às custas da liberdade de escolha dos usuários, ao priorizar o acesso a determinados sites em detrimento de outros”.

De acordo com a Artigo 19, organização que trabalha com liberdade de expressão e acesso à informação, o texto final, apresentado nesta semana por Molon, é bastante satisfatório. A organização afirmou que ele garante as premissas básicas para uma internet livre, enfatizando interesses e direitos coletivos. Além disso, a discussão na Câmara dos Deputados ocorrida na última quarta-feira, evidenciou aos deputados a importância da aprovação do projeto como apresentado no relatório final, sem emendas prejudiciais.

As garantias previstas no Marco Civil da Internet são características fundamentais para o pleno exercício da democracia com a elaboração do projeto junto à sociedade e da liberdade de expressão. Além disso, o uso da internet livre, sem censuras e pedágios, auxilia no combate à corrupção, uma vez que os usuários podem ter acesso às informações para fiscalização sem restrições. A aprovação do projeto de lei também estabelecerá os direitos civis na rede, acabará com atos de censura contra jornalistas, blogueiros e usuários.

O relator do projeto, Molon, disse ao Congresso em Foco que a principal tarefa dos deputados é separar assunto por assunto e não confundir discussões específicas com os pontos principais da proposta – “E o ponto principal é a neutralidade”, disse.

Para a Artigo 19, a votação do Marco Civil deve levar em conta o processo participativo em que foi construído e não pode desconsiderar o que foi proposto pela sociedade como um todo. O que está em jogo é a liberdade de expressão e a garantia de uma internet livre e o que é necessário ter em mente é que a liberdade da internet não é negociável. 

Segundo a organização, representantes da sociedade civil deixaram claro o caráter popular do projeto de lei, isto é, um projeto que foi construído a partir de consutas públicas, e a necessidade de aprovação. No entanto, é preciso ficar atento às mudanças que podem acontecer até o dia da votação, pois o texto ainda pode ser alterado.

Ainda é possível pressionar os deputados e demonstrar a importância do projeto para uma rede livre e sem distinções no País. Veja no site colaborativo do
Marco Civil da Internet o contato dos deputados federais e manifeste-se! Marco Civil Já

Se for aprovado, o texto vai para avaliação do Senado e depois para sanção da presidência.

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