Corrupção rouba até 2,3% do PIB brasileiro

As manifestações de junho do ano passado continuam rendendo frutos, e a lei anticorrupção, que punirá empresas envolvidas em atos ilícitos contra o poder público, é um deles. A nova legislação passa a valer nesta semana e pretender ser mais uma ferramenta para estancar o dreno de recursos que a corrupção representa no Brasil. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), elaborado em 2012, projetava que entre 1,38% e 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) se perdiam entre ações corruptas no país. Levando em conta o último PIB consolidado disponível, do ano de 2012, que fechou em 4,4 trilhões de reais, isso equivale a, no mínimo, uma perda nominal entre 61,7 bilhões reais e 101,2 bilhões de reais.

Não se sabe ao certo se esse número é próximo da realidade, até porque é difícil captar atos ilícitos que estão em andamento neste exato momento, nos subterrâneos do poder e das corporações. Mas, independentemente dos valores envolvidos, a corrupção é uma praga que revolta os brasileiros, que pagam impostos compulsoriamente, e não recebem seus benefícios de volta. O quadro atual coloca o país na posição 72, entre 177 países no mundo, no Índice de Percepção da Corrupção (Corruption Perception Index), de 2013, elaborado pelo grupo Transparency International. A lei, recém inaugurada, vai punir empresas envolvidas em atos que venham a lesar o erário do Estado, em todas as esferas, como suborno de funcionários do poder público.

Ou seja, com anos de atraso, o Brasil passa a punir também as empresas que corrompem, e não só o agente corrupto. “Esta lei vem fechar um quebra-cabeça fundamental”, afirma Pierpaolo Cruz Bottini, professor-doutor de direito penal da Universidade de São Paulo. “Até agora as punições estavam direcionadas à pessoa física. Processava-se o funcionário, o dirigente público e a empresa ficava impune. Agora, ela será punida de forma objetiva, não importa se sabia ou não das falcatruas em andamento. Se foi beneficiada, ela será multada”, explica Bottini.

Inspirada nas regras já vigentes em países como os Estados Unidos (com o Foreign Corruption Practice Act) e a Inglaterra (Bribery Act), a nova legislação estabelece multas de que variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa processada, nunca abaixo da vantagem obtida, caso esta seja auferida. Se não for possível levantar essa cifra, a previsão é de aplicação de multa variável entre 6.000 reais e 60 milhões de reais. E no limite, instaura a figura da “pena de morte” da pessoa jurídica, ou seja, estabelece a possibilidade de dissolver uma empresa envolvida em delitos. “É uma lei extremamente pertinente ”, celebra Leo Torresan, da Amarribo, organização sem fins lucrativos de combate à corrupção.

Mais do que isso, passa a punir os agentes da cadeia de valor de uma companhia. Se algum fornecedor estiver envolvido em ações nebulosas, a sua contratante é alvo da lei. Assim, a atuação de consultorias, despachantes, ou empresas fictícias criadas com o único fim de obter vantagens financeiras torna-se evidência objetiva, passível de pena severa. Esse aspecto da nova lei é elogiado pelo promotor Marcelo Mendroni, do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos (Gedec), do Ministério Público de São Paulo. “A lei vem preencher uma lacuna importante. As empresas fictícias são o meio mais utilizado para a lavagem de dinheiro no Brasil”, diz o promotor, que cuida do caso de formação de cartel de empresas fornecedoras de material para o metrô de São Paulo, que inclui as multinacionais Siemens e Alstom.

O cartel do metrô no Estado paulista foi denunciado, em delação premiada, pela própria Siemens no ano passado, revelando supostos subornos a agentes públicos, e também a atuação de empresas prestadoras de serviço que faziam a ponte entre a multinacional e funcionários públicos. Também em São Paulo, está em curso uma investigação, levantada pela Controladoria Municipal, sobre a atuação de 30 construtoras suspeitas de terem pago 29 milhões de reais em propinas para auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo, em troca de um desconto de 50% no valor total de um imposto municipal.

Para José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da a corrupção afeta negativamente a atividade econômica e a competitividade do país como um todo. “Ela aumenta o custo do investimento produtivo, prejudica a estabilidade do ambiente de negócios, inibe os investimentos externos, diminui a arrecadação e altera a composição dos gastos governamentais, além de distorcer a concorrência, e abalar a confiança no Estado”, afirma. O estudo da Fiesp aponta que, no mínimo, a corrupção equivale a 7,6% do investimento produtivo na economia, ou  a 22,6% do gasto público em educação nas três esferas.

A nova legislação já movimenta o mundo corporativo brasileiro, que vai procurar se adaptar às novas exigências. Para Pablo Cesário, gerente-executivo da Confederação Nacional da Indústria, as empresas, a partir de agora, devem adotar programas de combate à corrupção. Mas, Cesário chama a atenção para um fato importante para onde a legislação precisa avançar. “Compete ao Estado proteger empresas que denunciem atos de corrupção praticados por agentes públicos, prevenindo eventuais retaliações”, diz Cesário. Ou seja, as empresas devem ter espaço para denunciar um gestor público que venha a solicitar dinheiro em troca de alguma autorização ou licença que compete ao poder público liberar para a companhia.

No Brasil, várias empresas que tentaram denunciar achaques de funcionários públicos, inclusive na mídia, passaram a ser “perseguidas” por fiscalizações exageradas. Além disso, a falta de punição frustrava empresários, que preferiam aceitar o pedido de suborno a atrasar projetos em andamento por falta de algum documento. Uma pesquisa sobre corrupção revela que só 50% das empresas no país acreditam que denunciar pedidos de propina de funcionários públicos surtem efetivamente efeito.

O promotor Marcelo Mendroni também sublinha a necessidade de fortalecer o próprio corpo da Justiça e o treinamento de seus funcionários lei para que ela possa ser aplicada. “As três engrenagens precisam funcionar juntas: legislação, estrutura e treinamento”, diz. Cabe também à sociedade o papel de cobrar a sua execuação, avalia o cientista político Wagner Pralon. “Muitas vezes a vontade popular coloca alguns itens, como este, na pauta, mas é preciso manter a antenas ligadas”, afirma. Em outras palavras, a nova lei anticorrupção é um passo muito importante, mas é só o começo de um caminho longo pela frente.

Fonte: Carla Jimenéz/EL PAÍS. Originalmente publicado em http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/28/politica/1390946330_078051.html

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Lei Anticorrupção entra em vigor nesta quarta-feira

Hoje, 29, entra em vigor a Lei Anticorrupção, que responsabiliza e passa a permitir a punição de empresas envolvidas em atos de corrupção contra a administração pública nacional e estrangeira. A legislação é um marco e mais uma importante medida para a prevenção e o combate à corrupção. Além das responsabilizações e sanções, a Lei pretende inibir e prevenir ações corruptas.

No aspecto repressivo, multas pesadas serão aplicadas a empresas que oferecem ou pagam propina a servidores e fraudam licitações, a sentença será publicada nos veículos de comunicação. A punição é administrativa, aplicada diretamente pelos governos, sem passar pelo Judiciário. Do lado investigativo, a Lei oferece benefícios para as empresas que admitem os ilícitos e colaboram com delações ou provas, podendo assim reduzir a multa. A existência e aplicação de programas e políticas de compliance (controle ético e de obediência às leis) nas empresas também contribuirá para a redução das multas.

A aplicação do dispositivo é feita pelo governo federal, que através da Controladoria-Geral da União, orienta os ministérios e demais órgãos. Cada Estado e município deverá regulamentar a lei. Alguns pontos da Lei ainda deverão ser regulamentados pelo governo federal, através de um decreto, como os critérios dos programas de compliance e critérios para atenuar ou agravar a punição, por exemplo. Definir um código de ética claro e objetivo que seja aplicado pela gerência e colaboradores é a melhor forma das empresas se protegerem da corrupção.

Mudança de cultura

Um dos principais fatores que permitem que a corrupção não entre nas empresas é a conduta ética dos profissionais. Por isso, é importante que seja elaborado um eficaz código de ética que esteja de acordo com a atuação da empresa e que seja aplicado por todos, desde os colaboradores até gerência e acionistas.

Para o Vice-Presidente do Conselho da AMARRIBO, Josmar Verillo, a Lei representa um grande avanço para a democracia brasileira. As empresas precisam se preparar, melhorando o nível de governança, adotando valores e códigos de conduta. “Se a empresa tiver boa governança e comprovar isso em uma eventual ilegalidade praticada por um funcionário, a empresa pode ter a sua punição atenuada. Se ela cooperar com a investigação, também pode ser beneficiada com redução das punições”, disse.

Além disso, as empresas precisam estar preparadas para responder às críticas e dúvidas. “Lidar com isso dá trabalho, porém é um aprendizado e faz parte da mudança de cultura para que essa transparência seja normal e se torne uma vantagem, caso contrário será um problema”, enfatizou Verillo.

Interesse em ser transparente

Empresas de capital aberto possuem legislação que exige a divulgação de dados e informações de processos e transações, porém, ainda não é comum pensar em transparência de forma geral em todas as empresas. As práticas de transparência das empresas avaliadas no mundo todo ainda são inadequadas.

Em 2013, a Transparência Internacional, organização que a AMARRIBO representa no Brasil, publicou o Transparency in Corporate Reporting: Assessing Emerging Market Multinationals (TRAC), estudo sobre a transparência das empresas multinacionais dos mercados emergentes. O TRAC pontuou 100 das empresas que cresceram mais rápido nos últimos anos, sediadas em 16 países de mercados emergentes, sendo 13 delas brasileiras. Das empresas analisadas, 75% obtiveram pontuação menor que 5, numa escala de 0 a 10, onde 0 é o menos transparente e 10 é o mais transparente.

Os níveis de transparência observados ainda estão aquém dos padrões esperados de grandes empresas. Com a notável exceção das indianas, a maioria das empresas está muito longe de divulgar informações financeiras em todos os países onde operam. A maioria revela pouco ou nenhum dado financeiro em uma base comparativa, e as empresas da China são as que menos divulgam este tipo de informação. O relatório aponta também que as empresas de capital aberto tiveram melhor desempenho do que as empresas estatais e de capital fechado, ilustrando o impacto positivo que os requisitos de divulgação impostos às empresas de capital aberto têm sobre a transparência.

Este resultado reflete a falta de reconhecimento da importância da transparência na construção da boa governança, incluindo a gestão de riscos de corrupção. No entanto, o fato de algumas empresas apresentarem bom desempenho em certos aspectos da pesquisa indica que a melhoria é possível e invalida o argumento de que a divulgação coloca a empresa em desvantagem competitiva.

Para a presidente da Transparência Internacional, Huguette Labelle não há dúvidas sobre a importância da atuação dessas multinacionais. “À medida que as empresas de mercados emergentes expandem sua influência, devem aproveitar a oportunidade para aumentar seus esforços a fim de acabar com a corrupção internacionalmente. Empresas operando globalmente, sem transparência, correm o risco de danificar sua marca e perder a confiança das comunidades locais. As pessoas têm o direito de saber o que as multinacionais pagam em impostos bem como quaisquer outros valores pagos ao seu governo”, disse.

As boas práticas das multinacionais brasileiras bem pontuadas devem ser discutidas e compartilhadas entre as empresas para a busca de maior transparência. Sempre houve uma cultura do sigilo no Brasil, mas agora já se notam mudanças em favor da publicidade e transparência, e muitas empresas brasileiras já estão, de fato, demostrando esta preocupação.

“O debate é extremamente importante e nós sabemos que existem muitas dificuldades na cultura organizacional para a publicação de determinadas informações. Por outro lado, as empresas estão interessadas em melhorar suas práticas e para isso queremos escutá-las e discutir as melhores práticas, mas também as principais dificuldades para os avanços na transparência corporativa”, disse Leo Torresan, presidente da AMARRIBO Brasil.

Informações para Imprensa
Nicole Verillo – nicoleverillo@amarribo.org.br

 

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Prestes a valer, Lei Anticorrupção ainda patina em 18 Estados

A partir da próxima semana, empresas que subornarem agentes públicos ou fraudarem licitações poderão ser multadas em até 20% do seu faturamento bruto anual. A penalidade, salgada, está na Lei 12.846, a Lei Anticorrupção, aprovada após os protestos de junho de 2013. Ao jogar luz sobre os corruptores, a norma tenta mudar a percepção de que no Brasil só os corruptos aparecem.

O dispositivo entra em vigor no dia 29 e terá aplicação semelhante à da Lei de Acesso à Informação, sancionada em 2011: o governo federal, por meio da CGU (Controladoria-Geral da União), orienta seus ministérios e demais órgãos. E cada Estado e município regulamenta a lei de maneira própria.

O governo federal afirma estar pronto para aplicar a lei imediatamente, mas a maioria dos Estados ainda engatinha no assunto. Levantamento do UOL aponta que dez das 27 unidades federativas não sabem como vão processar as denúncias de corrupção e oito ainda discutem projetos sobre o tema. Três Estados devem regulamentar a lei nos próximos dias, um já a regulamentou –Tocantins – e cinco não responderam.

A lei estabelece duas estratégias para coibir a corrupção empresarial. No front repressivo, aplica multas pesadas às companhias que oferecem ou pagam propina a servidores e fraudam licitações e as obriga a publicar a sentença em veículos de comunicação. No front investigativo, oferece benefícios para as empresas que admitem os ilícitos e colaboram com delações ou provas – por meio dos acordos de leniência, que reduzem a multa em até dois terços.

A punição é administrativa, aplicada diretamente pelos governos, sem passar pelo congestionado Poder Judiciário.

Para ter efeitos significativos em todo o país, é importante que os Estados regulamentem a nova lei, afirma o secretário-executivo da CGU, Carlos Higino. Em entrevista ao UOL, ele diz que o governo federal não pode obrigá-los a regulamentar o dispositivo, mas quem não fizer isso afugentará investidores. "As empresas têm que ter clareza do que vai acontecer em casos de corrupção", diz.

Pioneiro

O Estado do Tocantins é o único Estado que já regulamentou a Lei Anticorrupção, em 13 de dezembro do ano passado. Lá, todas as secretarias estaduais e a Controladoria-Geral poderão instaurar processos, mas só a Controladoria terá o poder para assumir os casos mais relevantes e promover acordos de leniência.

Amapá, Paraná e Rio Grande do Sul responderam ao UOL que devem regulamentar a lei nas próximas semanas. Espírito Santo, Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo discutem projetos nesse sentido.

Nas demais unidades federativas, paira uma interrogação. "Os Estados ainda estão meio perdidos com essa lei", resume o controlador-geral do Piauí, Darcy Siqueira Albuquerque Júnior. "O governo criou uma lei e os Estados têm que cumprir, mas como é que regulamenta? Tem que discutir, levar as propostas para os governantes", diz.

Os Estados enviaram representantes a uma reunião em Brasília nesta segunda-feira (20) para tirar dúvidas. O encontro foi convocado pela CGU e pelo Conaci (Conselho Nacional de Controle Interno), que representa as Controladorias estaduais.

Ética empresarial

As companhias enquadradas na Lei Anticorrupção que tiverem estruturas internas de "compliance" (controle ético e de obediência às leis) poderão ter suas multas reduzidas. A norma, porém, não define quais critérios as empresas devem seguir para receber esse benefício.

O presidente do Conaci, Gustavo Ungaro, corregedor-geral do Estado de São Paulo, cobra do governo federal a edição de um decreto para suprir essa lacuna. "O decreto federal é fundamental, pois deve fixar os parâmetros de avaliação dos mecanismos e procedimentos internos de integridade e auditoria", diz.

Higino, da CGU, garante que o governo federal pretende regulamentar o tema antes que a lei entre em vigor. Esse decreto também detalharia os acordos de leniência e o procedimento para receber denúncias.

Para o advogado Giovanni Falcetta, especialista no tema, a Lei Anticorrupção estimulará as companhias brasileiras a adotarem estruturas de "compliance". Isso, somado à previsão dos acordos de leniência, diz ele, mudará a cultura empresarial do país. "As companhias vão ficar com o pé atrás, pois as punições poderão afetar seriamente a sua atividade", diz.

Por Bruno Lupion – UOL. Originalmente publicado em: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/01/21/as-vesperas-de-entrar-em-vigor-lei-anticorrupcao-ainda-e-incognita-em-18-estados.htm

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Faz sentido combater a corrupção no mundo dos negócios?

Sem dúvida, as empresas possuem um papel essencial no combate à corrupção. As motivações para as empresas a se engajarem na luta anticorrupção são cada vez maiores. Ultimamente temos visto mais casos de empresas agindo para prevenir a corrupção e também a denunciando, mesmo internamente. Está claro que a corrupção não é apenas moralmente errada e prejudicial para a sociedade, mas também nociva para as empresas. Combater a corrupção faz cada vez mais sentido no mundo empresarial, e aquelas empresas que têm se engajado nessa luta estão colhendo melhores resultados do a que as  que não se manifestam.

Mas se muitas empresas já estão combatendo esse problema e está claro como a corrupção é prejudicial para o mercado, por que ainda existem empresas envolvidas diretamente em atos de corrupção?

Essa é uma das principais questões levantadas na Humboldt School of Governance, um projeto  sobre os incentivos e sanções para as empresas nessa temática. Elas combatem a corrupção somente quando são pressionadas pela lei? São movidas pela vontade de fazer o que é moralmente certo? O combate à corrupção é um bom negócio? E o que pode ser feito para aumentar a motivação para barrar a corrupção?

A dificuldade de quantificar casos de corrupção

Muitos dados demonstram o impacto negativo da corrupção nas empresas, como o fato da corrupção aumentar em 10% o valor total das propostas, e elevar em 25% o valor dos contratos em países em desenvolvimento. Entretanto, esses argumentos falham quando pensamos em dois pontos importantes.

Primeiro, os números provenientes do custo global da corrupção tendem a ignorar a perspectiva individual das empresas em uma situação ou contexto específico. Porque, pelo menos no curto prazo, os ganhos percebidos da corrupção podem ser substanciais e parecer que vale a pena. Em segundo lugar, a percepção que prevalece é que não há alternativa à corrupção. Um funcionário da alfândega pode, por exemplo, solicitar um pagamento extra para autorizar que você passe com produtos perecíveis. Aqui, o suborno pode parecer inevitável no curto prazo, mesmo que a empresa esteja ciente de seus efeitos negativos em longo prazo.

Muitos empresários, se não a maioria, tem consciência dos prejuízos que a corrupção causa, como as concorrências desfavoráveis, e os processos ineficientes, o aumento dos custos de transações ou até mesmo funcionários mal intencionados. E os empresários também sabem que é imoral. Mas, quando se deparam com decisões desafiadoras que devem ser tomadas com urgência, muitas vezes, optam pela opção que envolve atos de corrupção.

Sanções e incentivos

Para superar os benefícios (visíveis) de curto prazo da corrupção, várias punições (ou sanções) são impostas em todo o mundo. A intenção é fazer com que a corrupção deixe de valer a pena e custe caro. Através de multas pesadas, exclusão dos processos de licitação, e até mesmo pena de prisão, a corrupção vai perdendo seu apelo e sua rentabilidade.

No entanto, mudar de forma efetiva o comportamento das empresas por meio de sanções se mostrou desafiador. Com frequência, as punições não são aplicadas de forma eficaz, ou nem são proporcionais ao crime. Então, construir uma condição empresarial contra a corrupção em sanções por si só torna-se difícil.

Aumentar os benefícios da ação contra a corrupção pode ser uma alternativa. Os incentivos desempenham um papel crucial. Afastar-se da corrupção, por exemplo, se traduz em acesso às redes de fornecimento de empresas multinacionais. Assumir um compromisso claro e visível na prática resulta no reconhecimento da empresa por parte da sociedade e na cobertura positiva da mídia. Se a política anticorrupção e os programas de compliance são fortes e se mostram eficazes, isso significa melhores condições em concorrências.

O Banco Mundial, por exemplo, (às vezes de forma significativa) reduz as sanções (por exemplo, períodos de exclusão) para as empresas que melhoram sua conduta depois de um ato de corrupção ocorrido ou que tomou medidas preventivas desde o início. Assim, fornece motivações fortes para que as empresas a implementem medidas internas de combate à corrupção, cooperem com as autoridades, e tomem ações corretivas.

Recompensas, no entanto, podem vir não apenas através de sanções reduzidas. Elas também podem vir na forma de incentivos reais para bons desempenhos. Um exemplo disso é a reputação, que é onde a sociedade civil desempenha um papel importante.

A Transparência Internacional Bulgária, por exemplo, apresentou vários pactos de integridade para os contratos públicos (por exemplo, com o Ministério da Saúde) e, posteriormente, publicou uma lista branca de empresas que se inscreveram nos pactos. Essas listas brancas não só melhoram a reputação através do bom desempenho, mas também apresentam uma plataforma para as empresas que tentam combater a corrupção em contextos desafiadores.

Outro exemplo de incentivo de reputação é a recente o recente estudo Transparência na Informação Corporativa, da Transparência Internacional. O ranking classifica o nível de transparência corporativa das empresas.

Várias iniciativas que têm surgido nos últimos anos estão adicionando incentivos comerciais genuínos sobre a reputação das empresas. Além do reconhecimento e da reputação, as empresas que cumprem as normas são incentivadas também com benefícios comerciais tangíveis (como a redução de custos, acesso a financiamento ou pistas rápidas na alfândega). A ideia por trás disso é que proporcionar vantagens comerciais tangíveis para as empresas que demonstram liderança ética motivem até mesmo aqueles que, até agora, não viram nenhum valor no combate à corrupção.

Contudo, isso não quer dizer que os incentivos são um substituto adequado para sanções. A corrupção é ilegal e prejudicial, por isso, as sanções por violações precisam funcionar – não apenas para dissuadir as empresas, mas também para manter ou restabelecer a justiça. A combinação inteligente equilibrada de sanções e incentivos para o bom desempenho é claramente o caminho mais promissor para fortalecer ou criar genuinamente condições de negócios contra a corrupção sobre o qual o mundo todo está debatendo.

Brasil

Neste mês entra em vigência no Brasil a lei 12.486, chamada de nova lei anticorrupção, a qual prevê sanções a empresas envolvidas em corrupção. Companhias que cometerem atos ilícitos contra a administração pública poderão ser punidas com multas de até 20% do faturamento e ficarão proibidas de fazer contratos com o governo. Empresas com políticas fortes de compliance terão sanções menores. Tais medidas deverão incentivar a estruturação de sistemas de integridade, criação de códigos de conduta corporativos e melhoria da transparência corporativa.

Na parte dos incentivos e ações para promover a integridade no meio corporativo, o Brasil possui o Cadastro Nacional de Empresas Comprometidas com a Ética e a Integridade – Cadastro Empresa Pró-Ética, uma iniciativa da Controladoria-Geral da União e do Instituto Ethos que avalia e divulga as empresas voluntariamente engajadas na construção de um ambiente de integridade e confiança nas relações comerciais, inclusive naquelas que envolvem o setor público.

O Cadastro dá visibilidade às empresas que compartilham a ideia de que a corrupção é um problema que deve ser prevenido e combatido não só pelo governo, mas também pelo setor privado e pela sociedade. Ao aderir ao Cadastro, a organização assume o compromisso público e voluntário, perante o governo e a sociedade, de que adota medidas para prevenir e combater a corrupção dentro de sua instituição, em favor da ética nos negócios. É também uma ferramenta para a sociedade civil saber quais empresas assumem esse compromisso.

Autora: Jennifer Schoeberlein. Ela trabalha para a iniciativa Anticorrupção de Incentivo e Sanções Empresarias na Humboldt-Viadrina School of Governance, em  Berlin, na Alemanha. 

Originalmente publicado em: http://blog.transparency.org/2013/12/17/does-fighting-corruption-really-make-business-sense/

Tradução: AMARRIBO Brasil
 

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Regulamentação da Lei Anticorrupção deve melhorar ambiente de negócios

Incentivar a estruturação de sistemas de integridade corporativa e criar parâmetros para que os gestores públicos autorizados possam aplicar sanções adequadas a cada caso de corrupção identificado dentro das empresas privadas. Estas são as diretrizes do decreto regulamentador da Lei 12.486, a chamada Lei Anticorrupção, que está em fase final de elaboração na Controladoria-Geral da União (CGU).

A informação foi prestada pelo secretário de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da CGU, Sérgio Seabra, no Seminário Anual do Pacto pela Integridade e contra a Corrupção, promovido em São Paulo pelo Instituto Ethos, em parceria com a CGU, a Rede Brasileira do Pacto Global, a Patri Políticas Públicas, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp), a Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci), a Amarribo Brasil e o Uniethos, realizado no dia 3 de dezembro.

A tramitação do decreto dentro do governo e a aproximação da data de vigência da lei, dia 29 de janeiro de 2014, levaram o gerente executivo de Políticas Públicas do Instituto Ethos, Caio Magri, a exortar as empresas a participar do processo de regulamentação democraticamente estabelecido pela CGU. “Participação agora é fundamental, para não truncar o processo”, disse ele, ao lembrar que o Ethos coordena o processo de diálogo, recolhendo questões a partir dos programas de compliance das empresas para contribuir no aperfeiçoamento da regulamentação.

Na mesma mesa de debate sobre “Impactos da Nova Lei 12.846 em Sistemas de Compliance”, o sócio e CEO da Patri Políticas Públicas, Eduardo Carlos Ricardo, afirmou que essa participação faz parte do processo, porque “não existe lei perfeita e não caminhar em função disso não é produtivo”. Segundo ele, “já é um grande progresso aprovar uma lei dessa natureza em meio a 23 mil proposições que estão em discussão no Congresso”, de acordo com levantamento da Patri. O projeto de lei encaminhado pelo Executivo ao Legislativo em 2010 foi votado e promulgado no início de agosto deste ano, como parte da agenda positiva estabelecida pelo governo em resposta às manifestações populares de junho, na opinião de Ricardo.

Responsabilidade objetiva

O deputado federal Carlos Zaratini (PT/SP) assinalou que o projeto de lei, do qual foi relator, tem como eixo o conceito da “responsabilidade objetiva”, que prevê “punição da empresa independentemente da comprovação de o ato de corrupção ter ou não ocorrido com conhecimento da direção”. Ele previu que com a lei “vamos ter punições efetivas”, em razão da autorização para que os gestores públicos dos três Poderes, nas três esferas (municipal, estadual e federal), apliquem multas “rapidamente, a partir da instauração de procedimento administrativo”, afastando a possibilidade de as empresas desqualificarem o processo no Judiciário.

“O instrumento de responsabilização administrativa é muito elogiado internacionalmente”, contou o coordenador da Comissão Anticorrupção do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, Carlos Ayres, que coordenou esse debate. Ele recolheu essa impressão na 5ª Conferência das Partes Signatárias da Convenção da ONU de Combate à Corrupção, encerrada na semana passada. “Além disso, tem contribuído para a melhoria da imagem do Brasil”, disse Ayres, “o fato de que 1.266 pessoas foram presas por questões relativas a corrupção em 269 operações da Polícia Federal em 2012”.

A implementação de práticas anticorrupção no nível global foi abordada também na mesa “Avanços e Desafios para a Transparência Corporativa”. “É importante conectar países emergentes para troca de experiências anticorrupção”, disse Markus Beck, que atua com essa perspectiva como coordenador do Programa de Parcerias Globais em Mercados Emergentes da GIZ, agência de cooperação internacional da Alemanha. “A corrupção não para nas fronteiras nacionais, ou numa região”, justificou.

“Credibilidade, reputação e sustentabilidade são resultados da aplicação de um programa de compliance”, pontuou o diretor da Embraer, Pyter Stradioto. Esses programas dentro das empresas visam garantir o cumprimento de regulamentos internos e externos de aderência voluntária ou impostos às atividades da organização. “Compliance é uma forma de instrumentalizar o código de ética e conduta da companhia; não é algo que se copia e cola de alguém ou de alguma empresa”, explicou.

Por isso mesmo, “as companhias devem resistir à pressão para a implantação apressada de códigos de ética e sistemas de governança”. A sugestão é de Josmar Verillo, vice-presidente do Conselho da Amarribo Brasil, ONG que desde 1999 atua no combate a práticas de corrupção. “Por pressão não funciona. A construção do código de ética deve se basear em valores efetivamente assumidos pela empresa. A pressão pode desmoralizar a iniciativa, porque os próprios executivos acabam violando os preceitos para atender a situações imediatas”, disse Verillo, que tem assento no conselho de administração de várias companhias.

Governança e ética

“Governança corporativa é indissociável de ética e transparência”, defendeu o professor Lelio Lauretti, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “O objetivo do código de conduta é elevar o nível de transparência na cultura organizacional”, acrescentou, ao identificar a necessidade de aproveitar o marco regulatório anticorrupção para exigir mais prestação de contas tanto dos administradores públicos quanto das empresas.

A defesa do professor Lauretti, um dos fundadores do IBGC, confirmou a avaliação apresentada na abertura do Seminário Anual do Pacto pela Integridade e contra a Corrupção pelo presidente do Instituto Ethos, Jorge Abrahão. Entre outras ações do Pacto no período, ele destacou que foi realizado um intenso acompanhamento das iniciativas das empresas participantes por meio de um questionário de monitoramento, um dos requisitos para sua permanência como signatárias. E isso culminou na exclusão de 133 empresas que não atenderam essa exigência.  “Hoje a gente pode dizer que o Pacto tem 237 empresas fortemente qualificadas e comprometidas com todo o processo.”

Abrahão destacou também “o papel da mobilização da sociedade civil na luta pela transparência e contra a corrupção”. Disse que “este ano foi ótimo, de conquistas importantes, como as leis da Ficha Limpa, de Acesso à Informação e de Responsabilização Civil”. Agora, segundo ele, “o desafio é fazer uma regulamentação forte da Lei Anticorrupção”, que vai fortalecer “o processo de construção de um ambiente de negócios com maior integridade e menos corrupção no Brasil”.

O encontro contou com o apoio das empresas Alstom, Banco do Brasil, Infraero e Shell, patrocinadoras do Grupo de Trabalho do Pacto pela Integridade, além de Alcoa, CPFL Energia, Natura, Vale e Walmart, parceiras institucionais do Ethos.

Fonte: Sávio de Tarso/Instituto Ethos

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FIEP debate o papel das empresas no combate à corrupção

Terminou ontem, em Curitiba, o Fórum Transparência e Competitividade: a corrupção não pode passar em branco, na sede da FIEP. O evento foi realizado pelo Sistema FIEP, CIFAL, e UNITAR com o objetivo de discutir os efeitos da corrupção na competitividade das empresas brasileiras e quais os papéis destas no combate à corrupção. A AMARRIBO Brasil esteve presente, assim como o Instituto Ethos, Transparência Brasil, Observatório Social do Brasil e outras organizações da sociedade civil.

O Presidente da FIEP, Edson Campagnolo, e outros especialistas que participaram do evento foram unânimes em afirmar que a competitividade e o grau de desenvolvimento dos países estão diretamente ligados ao nível de corrupção existente no país.

Cláudio Abramo, da Transparência Brasil, destacou a ineficiência em processos de licitação públicas – que envolvem empresas privadas – e que é um importante fator que ajuda a ampliar a corrupção no Brasil. “Estima-se que entre 15 e 20% do PIB de um país seja referente a transações entre Estado e iniciativa privada. Se esse sistema de licitações é ineficiente, isso prejudica também o desenvolvimento dos setores envolvidos. O estímulo à competitividade econômica passa pela redução das ineficiências que existem nas transações econômicas”, afirmou. Abramo cobrou mais apoio das empresas e das entidades de representação de classes para entidades que combatem a corrupção, e citou nominalmente a Amarribo e a Transparência Brasil.

O Vice-Presidente do Conselho da Amarribo, Josmar Verillo, falou sobre o efeito da nova lei que criminaliza pessoas jurídicas, dizendo que esse foi um grande avanço para a democracia brasileira, e que as empresas precisam se preparar, melhorando o nível de governança, adotando valores e códigos de conduta. Se a empresa tiver boa governança e comprovar isso em uma eventual ilegalidade praticada por um funcionário, a empresa pode ter a sua punição atenuada. Se ela cooperar com a investigação, também pode ser beneficiada com redução das punições.

Para Josmar a empresa precisa estar preparada para responder às críticas e dúvidas. “Lidar com isso dá trabalho, porém é um aprendizado e faz parte da mudança de cultura para que essa transparência seja normal e se torne uma vantagem, caso contrário será um problema”, enfatizou.

Mencionando ainda a situação do Brasil em relação aos outros países, Verillo disse que o Brasil tem boas leis para combater a corrupção, mas que elas não são aplicadas. Então um grande problema do país é o funcionamento do Judiciário. Essa tese também foi defendida pela professora Mariana Mota Prado, da Universidade de Toronto. Segundo a pesquisadora, as nações com os maiores índices de corrupção têm mais dificuldade em exigir o cumprimento de suas leis e seus investimentos nas áreas de saúde e educação são menores.

A relação entre a causalidade da corrupção e o desenvolvimento econômico de um país só foi investigada em 1995 e a primeira condenação, no Brasil, de um caso de corrupção é de 2010. De acordo com Mariana, o Brasil tem uma das mais completas legislações anticorrupção do mundo e o sistema de monitoramento e investigação do tema também são bastante avançados no país, com Tribunal de Contas da União, portais de transparência, Controladoria-Geral da União, Ministério Público, Polícia Federal e CPIs. Porém, o problema está no judiciário e na celeridade dos julgamentos. “Enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos teve cerca de 40 casos para avaliar no período de um ano, o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, teve 100 mil”, disse a pesquisadora.

Nicole Verillo, Diretora da Amarribo, participou do último painel contando a experiência da Rede AMARRIBO Brasil-IFC e da ABRACCI e casos de mobilização através das mídias sociais. Para Nicole é preciso que as empresas se aproximem mais das organizações que realizam trabalhos anticorrupção há muito tempo, e fortalecam essa luta.

“A corrupção é uma luta árdua, que pressupõe muita energia para manter a continuidade dos propósitos. As dificuldades são muitas e a ação não é neutra, nos confrontamos diariamente com interesses organizados, tanto público como privados. Mas os avanços e conquistas dos últimos 15 anos nos mostram que estamos em um caminho sem volta. O que eu, como jovem sinto, é que nunca antes foi tão possível virar esse jogo”, disse Nicole.

Para Josmar, essa iniciativa da FIEP é muito importante, pois se trata de um órgão empresarial se envolvendo diretamente com um tema que as empresas ainda não colocaram em suas agendas. As empresas tem importante papel no combate à corrupção, ação que a Amarribo vem cobrando dos empresários há algum tempo.

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