Corrupção ainda é um crime com alta taxa de impunidade no país
Anões do Orçamento, mensalão, lava-jato, sanguessuga, máfia dos carteis, entre tantos escândalos de desvio do dinheiro público para bolsos privados, fazem parte da história política recente do Brasil. Tão enraizada quanto a prática desse tipo de delito no país, a impunidade dos autores começa, ainda que timidamente, a cair. O número de presos por corrupção ativa e passiva, que se mantinha estável, subiu 40% no período de um ano, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Passou de 697, em junho de 2012, para 977 detentos, em junho de 2013 — base oficial mais recente. Em termos absolutos, entretanto, os menos de mil presos em todo o sistema penitenciário brasileiro representam apenas 0,1% da população prisional atual.
Para especialistas, o aumento no número de condenações por corrupção tem duas explicações. A mais objetiva delas é a cobrança permanente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os tribunais agilizem ações penais relacionadas a crimes contra a administração pública, entre eles a corrupção. O outro motivo seria a própria percepção da sociedade. “A gravidade desse tipo de delito se tornou mais visível. E isso leva a pressões. A decisão do CNJ de estipular meta para o julgamento desses processos, especificamente, deve ser entendida como uma resposta do Poder Judiciário, já que o tema se tornou sensível para a população”, explica o juiz Marlon Reis, um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Na força-tarefa empreendida pelo CNJ, a meta era zerar, no final de 2013, o estoque de 3.990 ações penais de crimes contra a administração pública iniciadas até 2011. Magistrados de todas as instâncias — exceto os do Supremo Tribunal Federal, que não se submetem à regra — conseguiram dar sentença em 90,5% do total de casos. Não há dados sobre a quantidade de processos, iniciados de 2012 em diante, atualmente por julgar. De qualquer forma, o CNJ continua exigindo celeridade das comarcas. “Antes da meta, os juízes eram cobrados por números gerais. E como esses processos são mais complexos tecnicamente, eles acabavam se acumulando. Dava-se prioridade para outros”, explica Marlon.
A complexidade das ações aliada à morosidade do Judiciário atrasam o julgamento, na avaliação de Claudio Weber Abramo. Diretor executivo da organização Transparência Brasil, de combate à corrupção, ele chama atenção para o fato de que os réus, nesses casos, quase sempre dispõem de uma boa defesa. “São pessoas que podem pagar advogados, então essas ações se arrastam por muito tempo”, destaca Abramo. Devido ao tempo prolongado de um acusado formalmente chegar à cadeia, ele não vê relação entre o aumento de punições e a política recente de transparência de dados públicos, como a Lei de Acesso à Informação. “Esses presos de hoje praticaram o crime antes desses recursos estarem disponíveis para a sociedade.”
A impunidade é a causa da corrupção ser tão vantajosa para quem a pratica
A prisão de alguns dos condenados do mensalão, em 2013, não foi suficiente para o brasileiro acreditar que é possível coibir a corrupção. Um levantamento do Instituto Paraná Pesquisas feito em 158 cidades brasileiras, e cujos resultados foram publicados na Gazeta do Povo de 31 de dezembro, mostra que, para 65,1% dos entrevistados, as condenações não são capazes de reduzir a frequência dos crimes de corrupção. Um outro dado da pesquisa dá pistas sobre qual seria, no entendimento da população, o caminho ideal para combater a corrupção: 61,2% deles consideraram leves as penas a que foram condenados os envolvidos no escândalo.
Muito embora a percepção dos brasileiros seja de que as punições foram brandas é preciso ressaltar que houve condenações bem severas, como as de Marcos Valério (40 anos), Ramon Hollerbach (29 anos) e Cristiano Paz (quase 26 anos). No entanto, os condenados mais célebres, como os petistas José Genoíno, José Dirceu e Delúbio Soares, tiveram punições menores, que podem vir a serem cumpridas no regime semiaberto. São situações como a dos ex-membros da cúpula petista, além da aceitação dos embargos infringentes (que, se julgados procedentes, poderão reduzir algumas penas) que alimentam a sensação de protelação e impunidade.
Há uma demanda popular por penas mais pesadas para o crime de corrupção. É compreensível que a população esteja descrente e queira penas mais severas para os casos dos chamados crimes do colarinho-branco. Não foram poucos, inclusive, os que apontaram o fato de os operadores do mensalão terem recebido penas muito maiores que os idealizadores e principais beneficiários do esquema, o que aumenta a sensação de que os peixes grandes, mesmo quando acabam presos, ainda recebem certos privilégios. A corrupção é um crime gravíssimo: é a apropriação indevida de recursos públicos que, de outra maneira, estariam sendo usados em serviços e benfeitorias que ajudariam muitos brasileiros.
No entanto, é ilusório acreditar que o simples aumento da pena inibirá os corruptos. Em 1764, o italiano Cesare Beccaria publicou um clássico do Direito Dos delitos e das penas em que já dizia: A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade. Ou seja, o que inibe o crime não é tanto a severidade da pena, mas a certeza da punição.
O que vale para a corrupção também se aplica aos demais crimes. A série Crime sem Castigo, publicada pela Gazeta do Povo no ano passado, mostrava como uma pequena fração dos homicídios cometidos em Curitiba culminava com a condenação e a prisão dos seus autores. O homicídio é um crime punível com duras penas. Porém, se a chance de o homicida ser descoberto é ínfima, de nada adianta a pena ser severa. Para que seja inibida a conduta ilícita, é preciso que a punição seja uma consequência provável para o agente que comete o crime.
Não queremos dizer com isso que as alternativas (punição e aumento de pena) são excludentes. Nada impede que as penas para crimes de corrupção sejam aumentadas. No entanto, sem meios de combater a impunidade que caracteriza os escândalos de corrupção, qualquer elevação de pena será inócua. Impunidade, aliás, que se mostra não apenas no âmbito investigativo/judicial, mas também no eleitoral. Pouco tempo atrás, lembramos, neste mesmo espaço, que um dos mistérios da vida política brasileira é o fato de corruptos seguirem sendo eleitos e reeleitos, eleição após eleição, o que envia a esses políticos o recado de que o crime realmente compensa. Se a perspectiva de uma temporada na prisão ainda parece distante para os corruptos detentores de cargos eletivos, que ao menos a perspectiva da derrota nas urnas possa coibi-los. Mas, para isso, é preciso que os eleitores mostrem que seu compromisso com a ética está presente não apenas na hora de reclamar, mas também na hora de votar.
Seminário debate avanços e desafios na relação entre transparência e impunidade no Brasil
Os níveis de transparência na gestão e execução dos recursos públicos no Brasil avançaram, mas ainda estão aquém de redimensionar o fenômeno da impunidade em face da corrupção, cuja recorrência lhe fornece uma faceta estrutural da organização social e política brasileira, como se ela fosse arraigada à nossa cultura. Em síntese, foi esse o eixo dos debates realizados durante o seminário “Combate à Corrupção: Mais Transparência, Menos Impunidade”, promovido pelo Ministério Púbico da Bahia, no dia 9 de dezembro, em Salvador. O conselheiro da AMARRIBO Brasil Jorge Sanchez participou do painel sobre impunidade e fez uma abordagem da atual situação no país.
Dividido em dois painéis, a apresentação do seminário contou com a participação do procurador-geral de Justiça, Wellington César Lima e Silva e da promotora de Justiça Heliete Viana, responsável pela idealização do evento. “A transparência e a impunidade são duas faces de uma mesma moeda. Sem transparência não há possibilidade de controle, e, portanto, temos um terreno fecundo para que a corrupção campeie. E com a impunidade não há qualquer possibilidade de dissuadirmos aqueles agentes públicos e outros atores que persistam nesta prática”, disse o procurador-geral.
O primeiro painel contou com a palestra do economista Gil Castelo Branco, secretário-geral da Organização Não-Governamental (ONG) Contas Abertas, que faz um trabalho de controle social das contas públicas desde 2005. Ele afirmou que a transparência aumentou no país e citou o uso das ferramentas tecnológicas digitais em consonância com marcos legais como os fatores que motivaram e viabilizaram esse avanço.
Contudo, Castelo Branco ponderou que a falta de regulamentação da Lei de Acesso à Informação cria dificuldades e foi taxativo: “o Brasil é ainda muito corrupto”. Sustentou a afirmação com o Índice de Percepção da Corrupção, da ONG Transparência Internacional: “numa escala de 0 (alto grau de corrupção) a 100 (transparência total), tivemos 42 pontos em 2013, e 43 em 2012. Permanecemos quase na mesma situação”.
O analista de finanças do Controladoria Geral da União (CGU), Romualdo dos Santos pontou que “embora haja milhões de informações, elas não estão tão acessíveis ao cidadão” e, por isso, “a gente ainda talvez peque pela qualidade ao disponibilizá-la”. O auditor de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) na Bahia, Antônio França, destacou esse mesmo ponto. “A transparência é uma exigência para o exercício fiscal. O tratamento contábil deveria ser simples, pois qualquer cidadão sabe consultar seu extrato bancário”, disse. Ele também observou que não se pode tratar a corrupção como um problema cultural. “Não somos naturalmente corruptos”, disse.
Já o procurador-geral do Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Maurício Caleffi, acredita que se trata sim de um problema cultural, mais do que uma questão relacionada a um marco legal. “Cabe aos órgãos de controle e à imprensa fazer essa mudança. Os órgãos de controle deveriam ser os primeiros a regulamentar a Lei de Acesso à Informação, mas não é isso que está acontecendo, pelo menos não no TCE”, disparou.
Impunidade
A promotora de Justiça Rita Tourinho abriu o painel sobre a impunidade e destacou a Lei de Improbidade Administrativa como ferramenta eficaz no combate à corrupção. Rita acredita que os corruptos se beneficiam da “cumplicidade involuntária da população e da desorganização dos órgãos de controle”.
Durante o debate, a procuradora do Ministério Público Federal na Bahia, Juliana Moraes, declarou-se otimista frente ao que considera um cenário melhor no combate à corrupção no Brasil. Para isso listou “avanços”: o veto à PEC 37, o julgamento do Mensalão e o fim do voto secreto. Para ela, a impunidade não está arraigada na cultura, mas ela ganha força sob um discurso que ao não reconhecer resultados positivos acaba por alimentar a percepção de impunidade.
Jorge Sanchez, conselheiro da AMARRIBO apresentou uma abordagem ampla sobre a impunidade no país. “Infelizmente, a sociedade não acredita muito que o rico e o poderoso cumprem pena. Quando ocorre a prescrição, o Estado perde o direito de penalizar os culpados e a Justiça se desmoraliza perante a sociedade”, opinou.
Em muitos casos, os culpados cumprem a pena, mas não devolvem o dinheiro. “Assim, parece que o crime acaba compensando”, alertou Jorge, citando o caso do deputado Paulo Maluf. Para ele a penalização, além de justa é didaticamente importante.
O representante da Associação Baiana de Imprensa (ABI), o jornalista Augustinho Moniz, fez críticas a uma conjuntura na qual, para ele, a grande imprensa faz um desserviço à transparência da informação, porque está vinculada ao interesse econômico das elites dominantes. E cobrou uma atuação mais enérgica do MP e da Justiça contra a impunidade.
Fonte: Cecom-MPBA com informações AMARRIBO Brasil. Originalmente publicado em: http://goo.gl/ISC0pw
Liberdade de imprensa: a maioria dos ataques permanecem impunes
Milhares de jornalistas foram assassinados por divulgarem temas de interesse público e denúncias de abuso de poder ou relacionadas a direitos humanos. Juntos, o International Press Institute (IPI) e a Transparência Internacional estão trabalhando para acabar com a impunidade e garantir que matérias sobre crimes, política e corrupção possam ser publicadas com segurança. É preciso exigir justiça e garantir que nenhuma voz seja calada.
O International Press Institute contabiliza, somente neste ano, seis jornalistas brasileiros assassinados. É o país com maior número de mortes nas Américas. Em 2012 foram cinco profissionais brasileiros assassinados, assim como em 2011.
Em 2013 completaram-se quatro anos de um dos eventos mais trágicos da história recente sobre liberdade de imprensa mundial: o assassinato de 32 jornalistas e 26 civis em um terrível incidente de violência eleitoral nas Filipinas, em 2009, conhecido como Massacre de Maguindanao. Quatro anos após o ocorrido – em um país onde os jornalistas têm sido vítimas ao longo de décadas – ninguém foi condenado.
A mídia desempenha um papel crucial cobrindo os efeitos devastadores da corrupção e fornecendo aos cidadãos informação. Uma mídia independente e livre é um pilar fundamental da democracia para garantir a integridade nacional e um bom governo.
A corrupção é um crime oculto, mas a mídia e os jornalistas investigativos podem esclarecer casos de abuso do poder para fins pessoais. Jornalistas revelam atos de corrupção e divulgam esquemas de suborno todos os dias. Na América Latina, por exemplo, o trabalho de jornalistas investigativos desempenhou um papel fundamental para a retirada de vários presidentes corruptos, incluindo Fernando Collor de Mello do Brasil, Abdalá Bucaram Ortiz, do Equador, e Alberto Fujimori, do Peru.
Com uma imprensa livre, o bom jornalismo dá ao público o conforto em saber que os malfeitores serão chamados para prestar contas e responder pelos seus atos. No entanto, a história nem sempre é tão simples assim. Muitos jornalistas atuam em ambientes perigosos. Em alguns lugares do mundo, jornalistas que procuram expor a corrupção política e econômica correm um grande risco e muitas vezes pagam com a própria vida. Pelo menos 97 jornalistas foram mortos até agora em 2013, de acordo com dados do IPI.
Entre dez países analisados pelo IPI, o Brasil está em sétimo com mais número de mortes nos últimos dez anos, somando 32 assassinatos contra jornalistas. O Iraque é o primeiro com 194 mortes e a Rússia o décimo país com 29 profissionais da imprensa assassinados na última década.
Matar jornalistas tornou-se uma maneira fácil de parar a divulgação de determinadas informações e opiniões, e garantir que irregularidades e casos de corrupção não sejam expostos. O fato das autoridades falharem na investigação alimenta a capacidade dos criminosos para agir devido a impunidade. Isso é inaceitável.
Ainda de acordo com levantamento do International Press Institute, na última década das seis regiões do globo, as Américas é o terceiro com mais mortes de jornalistas, ficando atrás apenas da Ásia e do Mena (sigla em inglês) que é o Oriente Médio e países do norte do continente Africano.
A impunidade sustenta a violência
Em 2011, a Assembleia Geral da International Freedom of Expression Exchange (IFEX), uma coalizão das organizações de liberdade de imprensa e de expressão, declarou 23 de novembro como o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade, destacando o papel que a impunidade pode desempenhar no estímulo à violência contra aqueles que exercem seu direito básico à liberdade de expressão.
"Quando o governo não consegue investigar assassinatos de jornalistas, soa como se a vida desses profissionais e a mídia fossem triviais", apontou International Press Institute, em 2011. Nas palavras de Christof Heyns, relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, a impunidade é "a maior responsável, se não a principal, pelo" o elevado número de jornalistas mortos a cada ano.
A impunidade nos ataques contra jornalistas às vezes é gerada pela fraqueza e mau funcionamento de instituições do Estado que falham ao investigar esses crimes ou para levar os culpados à Justiça. Pode ser também a consequência da falta de vontade de quem está no poder.
Em países como as Filipinas, Bangladesh e México, os governos têm mostrado repetidamente compromissos para combater a "cultura de impunidade", considerada a causa da violência. Em alguns casos, foram aprovadas leis e novas instituições foram criadas para facilitar o trabalho da justiça. Mesmo assim, jornalistas ainda são assassinados sem que ninguém seja punido. Frank La Rue, relator especial da ONU sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão, disse que nenhuma solução para combater a impunidade poderia substituir a "vontade política dos governos".
A AMARRIBO Brasil é a organização representante da Transparency International no país.
Impunidade será o tema da 16ª Conferência Internacional Anticorrupção
“Chega de Impunidade”. Este será o tema da 16ª Conferência Internacional Anticorrupção (IACC – International Anti-corruption Conference) que será realizada na Tunísia, entre os dias 21 a 24 de outubro de 2014.
Cerca de 2 mil ativistas anticorrupção de mais de 130 países de todos os setores da sociedade estarão reunidos para avaliar os avanços e os novos desafios na luta contra a corrupção. Com foco na impunidade, pretende-se criar uma mudança positiva e duradoura nesta agenda nos diferentes países.
Governos tomados pelo nepotismo, líderes autoritários estendendo seus limites de mandato, interesses pessoais acima do interesse público e a falta de participação popular: situações como essas fragilizam as democracias e cria um ambiente onde predomina a corrupção e a impunidade. Essa situação é vista com muita frequência em todo o mundo, tanto em países ricos quanto pobres, em regiões com abundância de recursos naturais ou assoladas pela recessão. É preciso coragem e ação coletiva para garantir que os poderosos que cometem crimes sejam levados à justiça e punidos. Chega de impunidade.
Não podemos mais admitir que os crimes de corrupção fiquem impunes. A sociedade em todo o mundo clama por justiça. A corrupção não pode valer a pena. É necessária uma cultura de integridade em todos os setores da sociedade para alcançar continuamente uma mudança positiva. Na 16º IACC será este o debate.
Sociedade civil, setor privado, jovens e empreendedores sociais vão se reunir para criar soluções inovadoras para essa luta, tendo como objetivo o fim da impunidade. Serão debatidas maneiras de mudar os sistemas onde há falhas no judiciário, na polícia e em outros setores que permitem que os corruptos fiquem impunes. Serão buscados meios para reparar e evitar novos abusos na gestão financeira global e na gestão dos recursos naturais que permitem que poucos lucrem e se mantenham no poder cometendo grandes crimes que ferem a humanidade.
Na Tunísia, berço da Primavera Árabe, pessoas de todo o mundo irão se unir para responder essas questões. É hora de quebrar o silêncio, contra a impunidade.
SERVIÇO:
Evento: 16ª Conferência Internacional Anticorrupção Data: 21 a 24 de outubro de 2014 Local: Tunísia Informações: 16iacc.org
O escoamento de dinheiro público pelo ralo de negociatas se torna cada vez mais exposto no Estado, se favorecendo de brechas na lei.
Milhões de reais que deveriam ter sido aplicados na melhoria das condições de vida das populações de municípios de Goiás, foram parar no bolso de políticos, prefeitos, servidores e até mesmo empresários, identificados em inúmeras operações da Polícia Federal e Ministério Público, nos últimos três anos. Levantamento das ações realizadas neste período pelo Ministério Público Estadual aponta 21 operações realizadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e do Centro de Segurança Institucional e Inteligência (CSI), que resultaram em mais de 100 mandados de prisão.
Somente nos últimos dois meses, duas operações, uma da Polícia Federal (PF) e outra do MP-GO citando o possível envolvimento de políticos do Estado, ganharam repercussão nacional. A primeira foi a Operação Miquéias, da PF, que prendeu 23 pessoas, alguns agentes públicos, por suposto envolvimento em organizações criminosas de lavagem de dinheiro e fraude em entidades previdenciárias municipais. Na última semana, o MP desencadeou a operação Tarja Preta, que, por sua vez, prendeu 12 prefeitos de municípios goianos suspeitos de recebimento de propina para compras fraudulentas de medicamentos.
A defasagem da Lei das Licitações tem sido uma das principais causas apontadas por especialistas para a existência de irregularidades no trato do dinheiro público. Tamanha são as brechas, que a lei, que já completou 20 anos, necessita de uma ampla reforma.
Conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Reginaldo Martins Costa defende a necessidade de serem feitas algumas modificações para dar outra dinâmica à administração pública, por dois motivos. O primeiro seria para melhorar o controle de fiscalização com relação a desvios e o segundo para proporcionar uma dinâmica de organização para dar maior mobilidade para o gestor público. “A lei peca por ser muito exigente em alguns pontos e falha em outros”, considera.
O advogado, especialista em direito municipal, também acredita que o governo deve ter uma visão descentralizadora da administração pública, citando como exemplo para essa mudança as organizações sociais (OS). “O poder público teria de terceirizar essas atividades e ficar voltado apenas para ações de controle, fiscalização e políticas públicas”, defende.
O advogado explica sua posição citando as irregularidades encontradas na Operação Tarja Preta. “Os procedimentos feitos para aquisição de medicamentos são feitos através de pregões, com a existência, inclusive, do princípio da publicidade. Só que as empresas formam cartel, por isso, a necessidade de modificar os critérios de gerenciar.”
As irregularidades encontradas durantes as investigações realizadas pelos promotores, procuradores ou delegado federais são diversas e vão de desvios de verbas da saúde e educação até a prática de jogos ilegais. Ainda em 2011 o MP investigou suposto desvio de verba pública destinado ao município de São João da Aliança, por meio de falsas gratificações a servidores. Também no mesmo ano, irregularidades em fundos rotativos de hospitais públicos – Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), de Doenças Tropicais (HDT), Geral de Goiânia (HGG) e de Urgência de Aparecida de Goiânia (Huapa), foram denunciadas.
No entanto, a Operação Monte Carlo, desencadeada em 29 de fevereiro de 2012, marcou a história do país. A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) revelaram um esquema de exploração de jogos ilegais, licitações públicas e corrupção de agentes públicos que atuava não só em Goiás, mas também no Distrito Federal. A operação trouxe à tona gravações telefônicas que levaram à cassação de mandato do ex-senador Demóstenes Torres, motivou a criação de duas CPIs e causaram ainda mudanças nos comandos da Segurança Pública Goiana. Os envolvidos, alguns condenados a mais de 30 anos, recorreram e aguardam o processo em liberdade.
Impunidade encoraja corrupção
Para a organização não governamental (ONG) Amarribo Brasil de coalizão brasileira contra corrupção, apesar de todo o esforço dos Ministérios Públicos, em pouquíssimos casos os investigados são punidos e a recuperação dos recursos aos cofres públicos também é quase nula. O presidente da ONG, Leo Torresan, avalia que o trabalho investigativo do Ministério Público tem sido intensificado, para tentar coibir crimes dessa natureza. “Há muitos anos o País vem enfrentando alto nível de corrupção. O que tem favorecido esta conduta é a impunidade.”
Para ele, a atuação das entidades judiciais também é discrepante. “A Polícia Federal e o Ministério Público Federal têm desenvolvido um trabalho mais planejado, apresentando resultados. Infelizmente nem sempre esse trabalho tem continuidade no Judiciário”, avalia.
Disse ainda que o sistema judiciário permite muitos recursos e apelações. Código Penal com baixa penalização para este tipo de crime, aliado a lentidão da justiça torna o sistema ineficiente resultando na impunidade. “Precisamos rever urgente a nossa legislação e adaptá-la ao mundo que não quer mais que haja impunidade para corruptos e bandidos que só pensam em dilapidar e roubar os recursos públicos.”
Impunidade e falta de controle pela sociedade estimulam corrupção no Brasil
Para especialistas, sociedade deve fiscalizar com mais rigor as atividades de governantes e gestores públicos. E sem penas duras para os corruptos, o problema jamais terá solução.
O Senado aprovou projeto de lei que define a corrupção como crime hediondo – fazendo com que ela seja tratada com mais rigor pela lei e se torne inafiançável –, mas, como lembram especialistas ouvidos pela DW Brasil, isso está longe de ser suficiente para conter um crime que, segundo projeções, desvia dos cofres públicos cerca de 80 bilhões de reais por ano. O projeto ainda precisa do aval da Câmara dos Deputados para virar lei.
Um dos principais motivos para a disseminação da corrupção no Brasil é a impunidade, que continua sendo um dos grandes problemas do país, afirmam os especialistas. A solução para o problema – ou pelo menos a diminuição dele – passa por punições mais severas e também por um maior controle das instituições por parte da população.
Para Josmar Verillo, vice-presidente da Amarribo, braço brasileiro da ONG Transparência Internacional, a corrupção aumentou no país no período recente. "O Brasil teve um retrocesso ético por falta de interesse dos governantes, e a corrupção saiu da pauta do Executivo e do Legislativo. Isso levou as pessoas envolvidas com o dinheiro público a se sentirem à vontade, gerando um aumento da corrupção. A impunidade também influencia isso."
Mesmo condenada, argumenta Verillo, uma pessoa quase nunca devolve o dinheiro que foi usado, por exemplo, para corromper agentes públicos. "Então acaba valendo a pena desviar recursos públicos, já que normalmente o culpado não vai para a cadeia e fica em regime aberto", diz.
Percepção da corrupção no Brasil é grande
De acordo com o ranking sobre percepção da corrupção elaborado em 2012 pela Transparência Internacional, o Brasil ocupa a 69ª posição entre 174 países pesquisados, e o país tem "índices que indicam problemas significativos" em relação à corrupção. Quanta mais alta a posição, menor a percepção de que existe corrupção.
Na escala, o Brasil aparece com 43 pontos. Os melhores colocados são Dinamarca, Finlândia e Nova Zelândia (com 90 pontos). Suécia (88) e Cingapura (87) completam a lista dos cinco países onde a percepção da corrupção é menor.
Para Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas – uma organização não governamental que faz o acompanhamento das contas do governo federal – a corrupção não aumentou nem diminuiu, mas continua sendo um problema muito grave no Brasil.
"Por outro lado, o julgamento do Mensalão provocou grande comoção na sociedade brasileira e fez com que a população tivesse uma consciência do quão grave é o problema no Brasil. Não só pelos valores que os casos de corrupção mobilizam, mas também pela degradação que eles provocam nos três poderes, desmoralizando as instituições", avalia.
Ausência de controle pela sociedade
O pesquisador de ciências políticas Leonardo Barreto, da UnB, diz que, no Brasil, a população acompanha com menos atenção do que em outros países o que os governantes e gestores públicos fazem com o dinheiro que administram. Há, ainda, uma confusão constante entre público e privado.
"Além da questão legal, há uma ausência muito forte de controle social. As pessoas não acreditam no sistema legal e não acompanham o exercício da função pública. E, se você não tem um controle social que funciona, a ocasião faz o ladrão", afirma.
O especialista destaca que os cidadãos devem se apropriar das instituições e compreender a sua responsabilidade no combate à corrupção. "A população não deve delegar todo esse processo aos políticos, tem que assumir a responsabilidade por uma parte, também. O modelo ideal é o de uma sociedade civil representada em organizações que possam fazer esse controle de forma permanente."
Os papéis dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário deveriam ser redimensionados, opina. Como exemplo, ele sugere que parlamentares não possam ser indicados para comandar secretarias ou ministérios. Também deveria haver controle social sobre a indicação dos ministros aos Tribunais de Contas. "Hoje isso tudo é uma moeda de troca [entre os três poderes]."
Avanços e retrocessos
Barreto diz ver avanços e retrocessos no Brasil. Entre os avanços, ele cita a Lei de Acesso à Informação, sancionada em 2011 pela presidente Dilma Rousseff. A lei trata do tempo que documentos do governo ficarão em sigilo. Outro avanço foi a condenação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dos responsáveis pelo Mensalão.
"Estamos caminhando com novos marcos legais e com um nível de fiscalização que não tínhamos antes. Mas o governo sempre tem uma velocidade menor do que a sociedade. O nível de exigência das pessoas tem aumentado, e o governo não tem conseguido acompanhar. Isso está no centro da insatisfação que temos visto nas ruas”, diz Barreto.
Verillo, da Amarribo, afirma que a Lei de Acesso à Informação não está sendo corretamente aplicada, pois nem sempre é divulgado onde o dinheiro do governo está sendo gasto e quem o está recebendo. "Com essa transparência, fica mais fácil para a população acompanhar os gastos públicos. Além disso, é necessária uma reforma da máquina administrativa, que é enorme."
Para Castello Branco, da Associação Contas Abertas, o trabalho preventivo é importante, mas é crucial que haja punições. Ele afirma que, "no Brasil, o crime compensa porque a punição é muito branda. Há muita coisa a se fazer".
O especialista afirma ainda que a imunidade parlamentar, um sigilo bancário excessivo, a falta de transparência nos gastos das empresas estatais, o foro privilegiado para autoridades e a morosidade da Justiça levam à impunidade e "à realimentação permanente da corrupção no país".
A PEC da Insanidade e a Limitação da Investigação de Crimes
Como é de conhecimento, a Proposta de Emenda Constitucional, de autoria do deputado Lourival Mendes (PTB-BA), PEC número 37, também intitulada PEC da impunidade, da corrupção, da insensatez etc., busca a tentativa – ainda que inconstitucional – de criação do monopólio, da exclusividade das investigações criminais, enfim, da apuração exclusiva por parte das polícias das ocorrências de delitos, assim como de suas respectivas autorias, praticados por quaisquer criminosos, inclusive àqueles do “colarinho branco”, quando os acusados exercem visível poder de ordem política, social, econômica etc.
Os mais árduos defensores da aprovação da proposta, dentre os quais o Conselho Federal da OAB e a própria classe dos delegados de polícia, assim como inúmeros políticos profissionais, sustentam, em resumo, que deve existir uma divisão de tarefas (de atribuições), cabendo às polícias, a investigação criminal; ao Ministério Público, o exercício da acusação através da titularidade da ação penal; aos réus, através de seus advogados, o exercício da ampla defesa, respeitado o contraditório e a igualdade de armas (forças); e, ao Judiciário, o julgamento final das demandas.
Tal lógica em relação às investigações criminais, fruto de uma visão flagrantemente corporativista, parcial e individualista, que pode ser bem resumida no brocardo popular: “Cada macaco no seu galho”, bem identifica a origem da cultura patrimonialista que serve de alicerce para este entendimento, conseqüência natural da desenvolvida apropriação privada da coisa pública, numa verdadeira simbiose entre público e privado.
A lógica da divisão de tarefas nesta hipótese, segundo a qual caberia a investigação criminal às polícias, além de superficial, é visivelmente inapropriada – e nociva – para o resgate dos princípios constitucionais previsto na Carta Maior da República. Ao contrário da premissa indicada pelos defensores da PEC da impunidade, o Ministério Público, embora sujeito a equívocos, falhas e imperfeições, não é parte comprometida com a acusação ou com a necessária condenação dos réus, haja vista que, quando investiga fatos criminosos, o faz no interesse de toda sociedade, seja para pedir a condenação de um criminoso, seja para pedir a absolvição de um inocente. Dito de outra forma: Diversamente dos advogados contratados por grandes criminosos – que possuem a legítima obrigação profissional de defender seus clientes –, o compromisso do Ministério Público é unicamente com a apuração integral dos fatos, sempre buscando reconstituir os acontecimentos ocorridos e responsabilizar os verdadeiros e possíveis culpados.
Ademais, com o alto nível de corrupção no Brasil, querer limitar as investigações criminais, afastando deste processo o Ministério Público, a Imprensa, a Receita Federal, o COAF, a Controladoria-Geral da União, a Previdência Social, o Banco Central, dentre outros, representará um significativo retrocesso, quiçá definitivo, na luta contra os grandes criminosos deste País, alguns dos quais, infelizmente – uma vez eleitos de forma (i)legítima pelo povo –, terão o poder decisório de votar a proposta no Congresso Nacional. Poderia parecer engraçado se não fosse trágico!
Na prática, também como é de conhecimento geral, a investigação criminal, assim como a própria atuação repressiva, vem sendo banalizada no cotidiano policial, seja por deficiência estrutural (falta de condições físicas e humanas), seja, ainda que excepcionalmente, pela corrupção policial, em alguns casos, flagrante o desrespeito aos princípios, direitos e garantias constitucionais, presente uma atuação policialesca, expondo abusivamente suspeitos a diversas violações.
De outro lado, o crime organizado campeia livremente na estrutura estatal, com interferência relevante nos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, impondo uma resistência significante às apurações decorrentes das investigações do crime organizado e de grandes esquemas de corrupção.
Muitos são os discursos a favor e contra as operações investigativas nas estruturas criminosas instaladas no poder. As polêmicas sobre a espetacularização das prisões de suspeitos sobre o excesso e descontrole da concessão judicial de escutas telefônicas (grampos) – que para alguns representa verdadeiro resquício do autoritarismo – e sobre a subordinação e dependência das polícias ao Poder Executivo, bem demonstram a complexidade e as dificuldades do uso dos instrumentos investigativos no Estado Democrático de Direito.
Com a realidade nua e dramática da disseminação e desenvolvimento da corrupção no Estado brasileiro, de viés patrimonialista, não se pode admitir, em nome da divisão de tarefas e atribuições, em hipótese alguma, a exclusividade e limitação da investigação criminal. Também não se pode compactuar com a omissão e com o discurso falacioso generalizado dos excessos investigativos.
Percebe-se, por óbvio, a extrema dificuldade de conciliar teoria e prática, especialmente numa rede de articulação de poder escamoteada entre escândalos e atentados contra o Estado Democrático de Direito, de viés constitucional e garantista. Seja como for, parece inegável, incontestável e urgente a necessidade da investigação constitucional dos atos de corrupção e do crime organizado instalado no Estado brasileiro, realizada com transparência, critérios técnicos e responsabilidade por diversos atores, aliás, como ocorre em todos países civilizados e democráticos do Planeta.
Portanto, respeitadas todas opiniões em contrário, algumas poucas, inclusive, legítimas, não é matéria do acaso o atual debate legislativo/constitucional sobre o monopólio da investigação criminal. Longe do “circo” propositalmente armado, com a corrupção disseminada na estrutura de poder estatal, a arrecadação probatória por parte do Ministério Público, assim como de outros importantes atores investigativos, especialmente em casos de crimes envolvendo o poder político, econômico e de autoridade, torna-se imprescindível para efetiva punição de corruptos e de corruptores.
Ora, sem delongas, sendo o inquérito policial presidido pela autoridade policial prescindível ao oferecimento da ação penal pública, parece claro que o Ministério Público possa complementar ou arrecadar originalmente qualquer material probatório para formação da opinio delicti. Reconhecer um Ministério Público sem poder de investigação significa anular a própria instrumentalidade constitucional que lhe dá eficácia. Ou seja, significa negar a existência aos comandos normativos dos arts. 127 e 129, incisos I, II e III, ambos da CR, e, consequentemente, negar operatividade ao princípio constitucional da moralidade administrativa. Nesse sentido, Clèmerson Merlin Clève, advogado e professor titular das Faculdades de Direito da UniBrasil e dos cursos de Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito, pós-graduado pela Université Catholique de Louvain (Bélgica), com precisão científica e clareza matemática, esclarece que:
A atividade de investigação tem clara natureza preparatória para o juízo de pertinência da ação penal, de modo que, sendo o Ministério Público o titular da ação penal pública, por ele é providenciada a fim de formar sua convicção de acordo com os elementos colhidos (29). Sendo a investigação conduzida através de inquérito policial ou por outro meio, a finalidade é a mesma, porém, o deslinde não, já que a qualidade da investigação é determinante para a formação do juízo do titular da ação penal. Diante disso, parece lógico que, dispondo de meios apropriados e recursos adequados, a atuação do membro do Ministério Público não deve ser, em todos os casos e circunstâncias, limitada pela atuação da polícia judiciária. É que o limite, em última instância, pode significar o seqüestro da possibilidade de propositura da ação penal. E nem se afirme que o controle externo da atividade policial seria suficiente para remediar a possibilidade. Necessário e acertadamente externo, o controle possui fronteiras. Pode implicar possibilidade de emergência de censura à eventual desídia, mas nunca solução ao específico caso que, diante da dificuldade de encaminhamento do inquérito, produziu reduzida chance de êxito na propositura da ação penal. Em semelhante hipótese, sequer a possibilidade de requisitar a instauração de inquérito ou de diligências investigatórias, no limite, pode se apresentar como solução para o impasse, eis que o órgão ministerial, titular da ação penal, sem poder interferir diretamente na ação policial, não dispõe de instrumentos, a não ser reflexos (controle externo), para garantir a qualidade das diligências providenciadas em virtude de requisição. A autoridade policial tem, com o inquérito policial, meios para auxiliar o Parquet na promoção da ação penal, mas se, em virtude de hermenêutica menos elaborada, lhe for atribuída a exclusividade da investigação preliminar criminal, terá também, e certamente, um meio para limitar sua função, o que importa em risco (sendo, na sociedade de risco, ainda mais grave e incompreensível) para o Estado Democrático de Direito.
Reconhecendo o poder investigatório do Ministério Público, Aury Lopes Júnior destaca que: Analisando os diversos incisos do art. 129 da CB, em conjunto com as Leis nº 75/93 e nº 8.625/93, especialmente o disposto nos arts. 7º e 8º da primeira e 26 da segunda, constatasse que no plano teórico está perfeitamente prevista a atividade de investigação do promotor na fase pré-processual. Não dispôs a Constituição que a polícia judiciária tenha competência exclusiva para investigar (…). Não existe exclusividade desta tarefa, inclusive porque quando pretendeu estabelecer a exclusividade de competência o legislador o fez de forma expressa e inequívoca. Tampouco a natureza da atividade ou dos órgãos em discussão permite ou exige uma interpretação restritiva; ao contrário, trata-se de buscar a melhor forma de administrar justiça. (…) Não só o inquérito policial é dispensável, senão que também é dispensável a atuação policial, ou, em outras palavras, o MP pode prescindir da própria polícia judiciária. O art. 129, III, da CB trata do inquérito civil como atividade preparatória da ação civil pública; logo, quando no inciso VI o legislador afirma o poder do MP de instruir os procedimentos administrativos de sua competência, está claramente referindo-se a outros procedimentos. Aqui está a outorga constitucional para que o MP realize a instrução preliminar, considerada como um procedimento administrativo pré-processual, preparatório ao exercício da ação penal. Neste sentido, complementam a norma constitucional as Leis nº 75/93 e nº 8.625/93, que autorizam a instauração de procedimentos administrativos com caráter investigatório. (…) Destarte, entendemos que o Ministério Público, ademais de participar no inquérito policial, poderá ser protagonista, instaurando e instruindo seu próprio procedimento administrativo pré-processual. Entendemos que o MP pode instaurar e realizar uma verdadeira investigação preliminar, destinada a investigar o fato delituoso (natureza pública), com o fim de preparar o exercício da ação penal. Aqui se materializa a figura do promotor investigador.2
Além do que já foi argumentado, não fossem as interferências e ingerências políticas, não parece lógico que a polícia judiciária investigue sem estar em sintonia com o destinatário primeiro da investigação criminal. É inegável que melhor pode fazer justiça quem por si mesmo realiza, conduz ou comanda as investigações criminais. Como imaginar uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado, guardiã da ordem jurídica e defensora da sociedade e dos direitos fundamentais, destituída de instrumentos sólidos e efetivos de controle, fiscalização, investigação, além de acompanhamento das atividades relacionadas direta e indiretamente com a coisa pública?
Como é de conhecimento, os Tribunais Estaduais, assim como o Superior Tribunal de Justiça, vêm reconhecendo a legitimidade do Ministério Público para condução da investigação criminal, cabendo ao Supremo Tribunal Federal, de uma vez por todas, superadas as pressões políticas e coorporativas, referendar o comando integrado dos dispositivos constitucionais, repudiando qualquer tentativa de limitação do poder investigatório do Ministério Público, ou de qualquer outra medida tendente a enfraquecer o combate à corrupção e a busca pelo propagado Estado Democrático de Direito, como ocorre com a PEC 37.
O respeito ao comando constitucional intenta fortalecer o Ministério Público em razão da difícil e fundamental tarefa de dar eficiência à estratégia de combate à corrupção e, consequentemente, de permitir a efetivação dos direitos fundamentais e a operatividade do princípio, direito e garantia da moralidade administrativa.
Uma investigação criminal, quando bem conduzida e orientada, poderá determinar decisivamente o sucesso da repressão à prática disseminada dos maiores crimes praticados contra a Nação, como ocorre na hipótese presente do chamado julgamento do Mensalão. Não por acaso, alguns réus do Mensalão, já se posicionaram publicamente a favor da aprovação da PEC 37. Enfim, basta ficarmos atentos e verificarmos – quando da votação da PEC 37 –, quem é quem!
Por Affonso Ghizzo, promotor de Justiça em Joinville e idealizador da campanha “O que você tem a ver com a corrupção”, que venceu diversos prêmios jurídicos. Autor das obras “Cartilha Legal”, “Improbidade Administrativa e Lei de Responsabilidade Fiscal – conexões” e “A Nova Lei Eleitoral – anotações à lei 9504, de 30 de setembro de 1997”. Affonso também é membro-fundador da ABMPE (Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais).
Está em andamento uma tentativa de melar o julgamento do mensalão e de submeter o Supremo Tribunal Federal (STF) aos interesses de certos setores do Congresso Nacional. A possibilidade concreta de cadeia, consequência natural do julgamento do mensalão, acionou o alerta vermelho no submundo da cultura da corrupção. As manchetes dos jornais refletem a reação desesperada dos mensaleiros de hoje e de sempre. Por trás dos embargos e recursos dos advogados dos mensaleiros, ferramentas legítimas do direito de defesa, o que se oculta é um objetivo bem determinado: zerar o placar, fazer um novo julgamento, livrar os culpados do regime fechado. É simples assim. As rusgas entre o Congresso e o Supremo têm bastidores pouco edificantes.
É impressionante o número de parlamentares com inquéritos ou ações penais na fila de julgamento do STF. No Congresso Nacional, são 160 deputados e 31 senadores, um terço da instituição. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, 32 de seus 130 integrantes respondem a inquéritos, entre os quais dois já condenados, José Genoino e João Paulo Cunha (PT-SP), Paulo Maluf (PP-SP) e o presidente do fórum, Décio Lima (PT-SC), com quatro inquéritos por improbidade administrativa e sonegação previdenciária quando prefeito de Blumenau. O que está em jogo não é a independência do Congresso, mas a pornodefesa da impunidade.
Muitos leitores, aturdidos com a extensão do lodaçal que se vislumbra na onda de corrupção reiteradamente denunciada pela imprensa, manifestam profundo desalento. "Não vai acontecer nada. Os bandidos não estão na cadeia, mas no comando do Brasil" – esse comentário me foi enviado por um jovem universitário. É tremendo, pois reflete o sentimento de muita gente.
A política é a arte da negociação, mas não pode ser a ferramenta da bandidagem. E é isso que está por trás das tentativas de melar o julgamento do mensalão. O que você, amigo leitor, pode fazer para contribuir para a urgente e necessária ruptura do sistema de privatização do dinheiro público que se enraizou nas entranhas da República?
Em primeiro lugar, pressionar as autoridades. O STF, por exemplo, deve sentir o clamor da sociedade. Impõe-se a execução plena das penas do julgamento. É um dever indeclinável. A Suprema Corte pode dar o primeiro passo para a grande virada. Se os réus do mensalão, responsáveis "pela instalação de uma rede criminosa no coração do Estado brasileiro", pagarem por seus crimes, sem privilégios nem imunidades, o Brasil mudará de patamar.
Não podemos mais tolerar que o Brasil seja um país que discrimina os seus cidadãos. Pobre vai para a cadeia. Poderoso não só não é punido, como invoca presunção de inocência, submerge estrategicamente, cai no esquecimento e volta para roubar mais. Registro memorável discurso do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, quando assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral: "Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz de conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam – o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mau tivessem feito".
De lá para cá, infelizmente, a coisa só piorou. A ausência de punição é a mola da criminalidade. Mas não atiremos a esmo. Não publiquemos no domingo para, na segunda, mudar de pauta. Vamos concentrar. Focar no mensalão. E você, caro leitor, escreva aos ministros do STF, pressione, proteste, saia às ruas.
Em segundo lugar, exija de nós, jornalistas, a perseverança de buldogues. É preciso morder e não soltar. Os meios de comunicação existem para incomodar. Resgato hoje, neste espaço opinativo, uma sugestão editorial que venho defendendo há anos. Vamos inaugurar o Placar da Corrupção. Mensalmente, por exemplo, a imprensa exporia um quadro claro e didático, talvez um bom infográfico, dos principais escândalos. O que aconteceu com os protagonistas da delinquência? Como vivem os réus de processos penais? Que lugares frequentam? Que patrimônio ostentam? É fundamental um mapeamento constante. Caso contrário, estoura o escândalo, o ministro cai, perde poder político, mas vai para casa com uma dinheirama. Depois, de mansinho, volta ao partido e retorna às benesses do poder, apoiado pela força da grana e do marketing. É preciso acabar com isso. A imprensa precisa ficar nos calcanhares dos criminosos.
Uma democracia se constrói na adversidade. O Brasil, felizmente, ainda conta com um Ministério Público atuante, um Judiciário, não obstante decepções pontuais, bastante razoável e uma imprensa que não se dobra às pressões do poder. É preciso, no entanto, que a sociedade, sobretudo a classe média, mais informada e educada, assuma o seu papel no combate à corrupção. As massas miseráveis, reféns do populismo interesseiro, da desinformação e da insensibilidade de certa elite, só serão acordadas se a classe média – e a formidável classe emergente -, fiel da balança de qualquer democracia, decidir dar um basta à vilania que tomou conta do núcleo do poder.
Chegou a hora de a sociedade civil mostrar sua cara e sua força. É preciso, finalmente, cobrar a reforma política. Todos sabem disso. Há décadas. O atual modelo é a principal causa da corrupção. Quando falta transparência, sobram sombras. O Brasil pode sair deste pântano para um patamar civilizado. Mas para que isso ocorra, com a urgência que se impõe, é preciso que os culpados sejam punidos.
Diga não à corrupção!
* Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra e diretor do departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais. E-mail: difranco@iics.org.br.