Moralismo capenga

Por Heloisa Maria Murgel Starling*

Combater a corrupção e derrotar o comunismo: esses eram os principais objetivos que fermentavam os discursos nos quartéis, às vésperas do golpe que derrubou o governo João Goulart, em março de 1964. A noção de corrupção dos militares sempre esteve identificada com uma desonestidade específica: o mau trato do dinheiro público. Reduzia-se a furto. Na perspectiva da caserna, corrupção era resultado dos vícios produzidos por uma vida política de baixa qualidade moral e vinha associada, às vésperas do golpe, ao comportamento viciado dos políticos diretamente vinculados ao regime nacional-desenvolvimentista.

Animado por essa lógica, tão logo iniciou seu governo, o marechal Castello Branco (1964-1967) prometeu dar ampla divulgação às provas de corrupção do regime anterior por meio de um livro branco da corrupção – promessa nunca cumprida, certamente porque seria preciso admitir o envolvimento de militares nos episódios relatados. Desde o início o regime militar fracassou no combate à corrupção, o que se deve em grande parte a uma visão estritamente moral da corrupção.

Essa redução do político ao que ele não é – a moral individual, a alternativa salvacionista – definiu o desastre da estratégia de combate à corrupção do regime militar brasileiro, ao mesmo tempo em que determinou o comportamento público de boa parte de seus principais líderes, preocupados em valorizar ao extremo algo chamado de decência pessoal.

Os resultados da moralidade privada dos generais foram insignificantes para a vida pública do país. O regime militar conviveu tanto com os corruptos, e com sua disposição de fazer parte do governo, quanto com a face mais exibida da corrupção, que compôs a lista dos grandes escândalos de ladroagem da ditadura. Entre muitos outros estão a operação Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares), que ganhou concorrência suspeita para a exploração de madeira no Pará, e os desvios de verba na construção da ponte Rio–Niterói e da Rodovia Transamazônica. Castello Branco descobriu depressa que esconjurar a corrupção era fácil; prender corrupto era outra conversa: “o problema mais grave do Brasil não é a subversão. É a corrupção, muito mais difícil de caracterizar, punir e erradicar”.

A declaração de Castello foi feita meses depois de iniciados os trabalhos da Comissão Geral de Investigações. Projetada logo após o golpe, a CGI conduzia os Inquéritos Policiais-Militares que deveriam identificar o envolvimento dos acusados em atividades de subversão da ordem ou de corrupção. Com jurisdição em todo o território nacional, seus processos obedeciam a rito sumário e seus membros eram recrutados entre os oficiais radicais da Marinha e da Aeronáutica que buscavam utilizar a CGI para construir uma base de poder própria e paralela à Presidência da República.

O Ato Institucional n.º 5, editado em 13 de dezembro de 1968, deu início ao período mais violento e repressivo do regime ditatorial brasileiro – e, de quebra, ampliou o alcance dos mecanismos instituídos pelos militares para defender a moralidade pública. Uma nova CGI foi gerada no âmbito do Ministério da Justiça com a tarefa de realizar investigações e abrir inquéritos para fazer cumprir o estabelecido pelo Artigo 8º. do AI-5, em que o presidente da República passava a poder confiscar bens de “todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública”.

Para agir contra a corrupção e dar conta da moralidade pública, os militares trabalharam tanto com a natureza ditatorial do regime como com a vantagem fornecida pela legislação punitiva. Deu em nada. Desde 1968 até 1978, quando foi extinta pelo general Geisel, a CGI mancou das duas pernas. Seus integrantes alimentaram a arrogante certeza de que podiam impedir qualquer forma de rapinagem do dinheiro público, através da mera intimidação, convocando os cidadãos tidos como larápios potenciais para esclarecimentos.

A CGI atribuiu-se ainda a megalomaníaca tarefa de transformar o combate à corrupção numa rede nacional, atuando ao mesmo tempo como um tribunal administrativo especial e como uma agência de investigação e informação. Acabou submergindo na própria mediocridade, enredada em uma área de atuação muito ampla que incluía investigar, por exemplo, o atraso dos salários das professoras municipais de São José do Mipibu, no Rio Grande do Norte; a compra de adubo superfaturado pela Secretaria de Agricultura de Minas Gerais e as acusações de irregularidades na Federação Baiana de Futebol. Entre 1968 e 1973 os integrantes da comissão produziram cerca de 1.153 processos. Desse conjunto, mil foram arquivados; 58 transformados em propostas de confisco de bens por enriquecimento ilícito, e 41 foram alvo de decreto presidencial.

Mas o fracasso do combate à corrupção não deve ser creditado exclusivamente aos desacertos da Comissão Geral de Investigações ou à recusa de membros da nova ordem política em pagar o preço da moralidade pública. A corrupção não poupou a ditadura militar brasileira porque estava representada na própria natureza desse regime. Estava inscrita em sua estrutura de poder e no princípio de funcionamento de seu governo. Numa ditadura onde a lei degradou em arbítrio e o corpo político foi esvaziado de seu significado público, não cabia regra capaz de impedir a desmedida: havia privilégios, apropriação privada do que seria o bem público, impunidade e excessos.

A corrupção se inscreve na natureza do regime militar também na sua associação com a tortura – o máximo de corrupção de nossa natureza humana. A prática da tortura política não foi fruto das ações incidentais de personalidades desequilibradas, e nessa constatação reside o escândalo e a dor. A existência da tortura não surgiu na história desse regime nem como algo que escapou ao controle, nem como efeito não controlado de uma guerra que se desenrolou apenas nos porões da ditadura, em momentos restritos.

Ao se materializar sob a forma de política de Estado durante a ditadura, em especial entre 1969 e 1977, a tortura se tornou inseparável da corrupção. Uma se sustentava na outra. O regime militar elevou o torturador à condição de intocável: promoções convencionais, gratificações salariais e até recompensa pública foram garantidas aos integrantes do aparelho de repressão política. Caso exemplar: a concessão da Medalha do Pacificador ao delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-1979).

A corrupção garantiu a passagem da tortura quando esta precisou transbordar para outras áreas da atividade pública, de modo a obter cumplicidade e legitimar seus resultados. Para a tortura funcionar é preciso que na máquina judiciária existam aqueles que reconheçam como legais e verossímeis processos absurdos, confissões renegadas, laudos periciais mentirosos. Também é necessário encontrar gente disposta a fraudar autópsias, autos de corpo de delito e a receber presos marcados pela violência física. É preciso, ainda, descobrir empresários dispostos a fornecer dotações extra-orçamentárias para que a máquina de repressão política funcione com maior precisão e eficácia.

A corrupção quebra o princípio da confiança, o elo que permite ao cidadão se associar para interferir na vida de seu país, e ainda degrada o sentido do público. Por conta disso, nas ditaduras, a corrupção tem funcionalidade: serve para garantir a dissipação da vida pública. Nas democracias – e diante da República – seu efeito é outro: serve para dissolver os princípios políticos que sustentam as condições para o exercício da virtude do cidadão. O regime militar brasileiro fracassou no combate à corrupção por uma razão simples – só há um remédio contra a corrupção: mais democracia.

*Heloisa Maria Murgel Starling é professora de História da Universidade Federal de Minas Gerais e co-autora de Corrupção: ensaios e críticas (Editora da UFMG, 2008) – Texto publicado em 23/09/2009 no site da Revista de História da Biblioteca Nacional.

Bibliografia:

FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2001.

GASPARI, Elio. Coleção As Ilusões Armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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Democracia e combate à corrupção podem evitar novo golpe militar

Mais consciência política, fortalecimento da democracia participativa e o combate à corrupção são pontos chaves para evitar que ocorra, novamente, um golpe militar em nosso País, apontam estudiosos do tema e militantes políticos que viveram o período do regime militar.

A discussão é incentivada porque, nesta segunda-feira (31), em todo o País, ocorrem manifestaçõs e eventos para lembrar os 50 anos do Golpe Militar de 31 de março de 1964.

Para o professor aposentado do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Aloísio Nogueira, deve ser intensificado o nível político da sociedade para que não tenhamos risco de um golpe militar nos dias atuais. “Hoje, infelizmente, há uma cooptação dos movimentos sociais pelo governo federal. Devemos fortalecer a sociedade civil para evitar um golpe e combater, sobretudo, uma maior exploração do capital”, opinou Nogueira.

Para a professora do curso do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da Ufam, Selda Vale da Costa, conhecer os abusos e torturas que aconteceram durante a ditadura é essencial para que não se repitam os erros. “Assim evitaremos que a história não se repita. Também penso que seria importante que os meios de comunicação ajudem a informar melhor a população sobre este período”, avaliou.

De acordo com a professora, a juventude atual está muito apática às discussões políticas. “Todos estão muito pouco ativos, temos a impressão de que os jovens estão apenas consumindo as ideias que são projetadas por vários meios. Ou seja, alguém vai fazer por eles o que eles próprios deveriam fazer, como buscar informações e criar uma consciência própria. Me parece que há uma omissão muito grande”, criticou Selda.

O antropólogo Ademir Ramos opinou que o golpe militar é um ‘fantasma na América Latina’. “Toda as vezes que se perde a perspectiva no amanhã, busca-se algum porto seguro. E esta direita empresarial, além desta esquerda burra, acha que só um governo forte é capaz de dar seguridade ao grande investimento do capital”, avaliou o antropólogo.

O combate à corrupção e o fortalecimento das instituições políticas são apontados pelo advogado e jornalista Paulo Figueiredo como soluções. “Para evitar um novo golpe militar, temos que encarar o regime democrático com responsabilidade, porque temos, hoje, uma classe política no Brasil que não se dá o respeito. A corrupção é, hoje, a maior ameaça à construção de um País democrata e de instituições sólidas. Há hoje, no País, uma relação extremamente promíscua no seio da classe política que, na minha opinião, corrói o sistema representativo. Com a falência das instituições democráticas, tem-se a oportunidade de aventuras golpistas que podem, concretamente, ameaçar a existência e consolidação do regime democrático”, disse.

Erros da ditadura são repetidos hoje, diz dirigente

O presidente do Comitê Estadual de Direito à Verdade, Memória e Justiça do Amazonas, Egydio Schwade, afirmou que erros cometidos durante o regime militar no Estado estão sendo repetidos no regime democrático. “Em relação aos povos indígenas, por exemplo, ainda estamos passando estradas por terras de povos indígenas e construindo hidrelétricas inudando, terras sem respeito nenhum, como se tudo fosse um vazio geográfico, como falavam  os militares. Tinha aquele slogan: ‘Vamos dar a terra sem homem ao homem sem terra’, o que não era verdade, pois tinha os indígenas ali. Tudo isto é muito grave”, opinou o indigenista Egydio.

Scwade ainda teceu críticas à Comissão Nacional da Verdade que, segundo ele, se limitou aos casos de mortes e torturas de militantes de esquerda ocorridos em outras regiões do país. “Infelizmente, a região amazônica e as mortes dos indígenas são fatos que estão sendo esquecidos pela Comissão Nacional. Creio que o motivo são os grandes eventos, como a Guerrilha do Araguaia. Mas eu acredito que o que aconteceu aqui foi muito mais grave e a sociedade, em todas as regiões do Brasil, ainda não se seu conta deste acontecimento”, avaliou.

O Comitê Estadual da Verdade, Memória e Justiça no Amazonas entregou, em outubro de 2012, um relatório sobre o massacre de 2 mil indígenas da etnia Wamiri-Atroari à Comissão Nacional da Verdade.

O relatório foi resultado de pesquisas de Schwade e descreve como ocorreram os assassinatos de pessoas e de aldeias inteiras do povo Waimiri-Atroari, nos quais estiveram envolvidos agentes das Forças Armadas do Amazonas e Funai, durante a construção de um trecho da BR-174 e da hidrelétrica de Balbina. Na época, Schwade participava na alfabetização dos índios Wamiri-Atroari.

Fonte: Portal D24

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Em defesa da democracia

A Abong – Organizações em Defesa de Direitos e Bens Comuns divulgou na semana passada nota pública em defesa dos direitos políticos e civis da população brasileira, colocados em xeque pelas ações violentas das polícias em manifestações e por propostas repressoras oriundas do Legislativo e Executivo federal.

“Estão querendo criminalizar o protesto. Estão querendo caracterizar manifestações como risco para a segurança dos/as cidadãos/ãs. Um dos elementos fundamentais da democracia é o direito à liberdade de expressão, de opinião, de manifestação. Um ambiente social pacífico não pode ser conquistado às custas deste direito”, destaca o texto. Leia a íntegra abaixo:

NOTA PÚBLICA – EM DEFESA DA DEMOCRACIA

Desde os protestos de junho passado e as manifestações que se seguiram, desde os episódios de violência que ocorreram em meio a algumas delas – restritos a um número mínimo de participantes -, vem se difundindo através de alguns órgãos da mídia e através do discurso de algumas autoridades a ideia de que a solução é o aumento da repressão. Desde o final do ano passado, discutem-se projetos de lei que permitam tipificar certas ações de protesto como "terrorismo", de modo a poder prender e condenar manifestantes que se "excedam". A preocupação em garantir um clima pacífico para os jogos (e os negócios) da Copa do Mundo é o pano de fundo para estas tentativas.

Para quem viveu na ditadura, ou para quem conhece um pouco da história do nosso país, parece que estão querendo ressuscitar a "Lei de Segurança Nacional". Estão querendo criminalizar o protesto. Estão querendo caracterizar manifestações como risco para a segurança dos/as cidadãos/ãs. Um dos elementos fundamentais da democracia é o direito à liberdade de expressão, de opinião, de manifestação. Um ambiente social pacífico não pode ser conquistado às custas deste direito.

Os/As cidadãos/ãs devem poder expressar suas reivindicações ou suas discordâncias, sem receio de que seu ato seja considerado um crime. E o Estado deve garantir as condições para que este direito seja exercido, assim como deve garantir segurança para a população e, portanto, impedir atos de violência. Isto deve ser feito na forma da lei e de maneira a não colocar em risco a vida das pessoas. O primeiro exemplo de respeito aos direitos deve vir do Estado, das forças de segurança. Do mesmo modo, o protesto por parte dos/as cidadãos/ãs deve ser pacífico – como foi até agora por parte de 99% dos/as manifestantes -, e a violência deve ser coibida.

O mundo não se tornou mais seguro depois do desencadeamento da "guerra ao terror" pelo governo Bush. Ao contrário, vários direitos civis foram violados e a liberdade das pessoas foi cerceada. A legislação nos Estados Unidos e em vários outros países se tornou mais repressiva, gerando um clima de tensão e de medo que muitos têm denunciado: entramos num caminho em direção a Estados "de exceção", a sociedades de controle – câmeras por toda parte, dados pessoais devassados, invasão de privacidade (de correio eletrônico, inclusive), policiamento ostensivo. Contrariamente à intenção divulgada, não ficamos mais seguros, estamos sob o olhar e a vigilância permanente do "Grande Irmão".

Não queremos isso aqui: lutamos muito para redemocratizar este país. Construímos uma Constituição Cidadã (1988) e o que desejamos é aprofundar a democracia conquistada para que ela seja efetivamente expressão da soberania popular, e falta um bom caminho para isso. Não queremos voltar atrás.

Os recentes acontecimentos, que resultaram numa tragédia lamentável – a morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade -, não podem servir de pretexto para promover uma mudança em nossa legislação que a torne mais autoritária. A solução para a violência é mais democracia e não menos.

Também não podem servir para lançar uma "caça às bruxas" com acusações infundadas lançadas irresponsavelmente através de meios de comunicação. Nós temos exemplos suficientes em nossa história dos desastres que tais iniciativas podem produzir: acusações que, depois de acabar com a reputação de cidadãos/ãs, se evidenciam falsas.

E, procurando ir ao âmago da questão: por que tais manifestações? Por que tais protestos? Qual a resposta que as autoridades deram às "vozes das ruas"? Para dar um único exemplo, as planilhas de custos dos meios de transporte público foram abertas, tornadas públicas, para justificar os aumentos que foram (e estão sendo novamente) solicitados?

Antes de criminalizar manifestantes, que se procure responder às reivindicações dos/as cidadãos/ãs, que se abram canais de diálogo entre representantes e representados/as. E que se faça uma profunda reforma do nosso sistema político, para permitir que o povo seja realmente o soberano desta nação.

Diretoria Executiva da Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns

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Copa 2014, um gol contra a priori

Por Marcos Dionísio Medeiros Caldas


Na pelada da seleção no meio de semana [jogo amistoso entre Brasil e Chile no dia 25 de abril no Mineirão] um cartaz furou o cerco do politicamente correto e a “liberdade de expressão de Galvão” e reverberou: “Galvão, cuidado com a dengue em BH!” Fosse colocar os locais onde se deve tomar cuidado com a Dengue não caberia no cartaz nem numa faixa ou bandeira, nem mesmo em todos os locais de publicidade do Mineirão.

O cartaz também poderia dizer “Galvão cuidado com o homicídio” e aí bastaria complementar e dizer “em qualquer canto do Brasil”.

O cartaz ainda poderia dizer “Galvão cuidado com os prontos-socorros” que, ao invés de só salvarem vidas converteram-se também em diplomas da insensibilidade dos gestores brasileiros, continuadamente, mais em alguns locais do que em outros e, nesse particular, ninguém supera o Rio Grande do Norte (RN) onde faltam remédios, fio de aço e aparelhos são compartilhados por vários doentes numa comovente solidariedade e milagre médico.

Quando digo que nesse quesito o RN é insuperável é que hoje nós podemos ler pela internet jornais de todo canto e a crise, efetivamente, é nacional, mas em nenhum lugar verificou-se rebelião de pacientes com ameaças de quebra-quebra e tocar fogo em colchões ante médicos e enfermeiros correndo para atender os desvalidos , à beira de se tornarem vítimas de agressões daqueles que não tiveram suas dores mitigadas. “Vítima virando algoz”, Paulo Freire não deve ter imaginado sua consigna em tal situação, tão plena e dialeticamente explícita.

Mais uma frase para o cartaz: “Galvão cuidado com a queda de moto” e estaria escancarando um portal eficiente para a morte no Brasil. Inviabilizando qualquer planejamento para os prontos-socorros, gastando em acidentes perfeitamente evitáveis os parcos recursos da saúde e evidenciando a má educação do motorista brasileiro que tendo sua cidadania desrespeitada a todo instante no volante também “deixa de ser vítima e passa a ser algoz”. Quase todo motorista “sabe” a autoritário: o espaço é o seu, a vez é sua e as regras são adaptáveis a sua pressa.

Porém, o cartaz também poderia ter os dizeres “Galvão cuidado com a Lei de Acesso a Informação” e aí poderia outro cartaz complementar dizendo que todas as instituições estão na ilegalidade. Não há um só órgão que esteja respeitando-a plenamente. Mas há órgãos como o Senado (de Sarney a Renan), a Assembleia Legislativa do RN e a nossa Câmara Municipal que se esmeram no crime de esconder suas entranhas ao povo em geral, que é seu financiador, para o exercício democrático e não para esse exercício pleno do autoritarismo.

Com relação à Copa do Mundo, nenhuma capital foi aprovada no levantamento feito pelo Instituto Ethos.  Aliás, todas as capitais seriam reprovadas com louvor face às gestões obscurantistas.

O cartaz que quebrou o tédio da transmissão insossa de um jogo também sem gosto, poderia também dizer “Galvão cuidado com o Marin”, ou Blatter ou Valcker. Ou mesmo em homenagem a esta tríade “desportiva, ética e generosa” poderia mesmo dizer “Galvão cuidado com a Democracia”, pois os homens de bem acima citados não escondem que acham que a Democracia atrapalha as obras, os serviços e os lucros da FIFA.

Ledo engano, A FIFA acaba de comemorar a projeção de 5 Bilhões de PILAS de lucratividade na Copa do Mundo no Brasil. 30% a mais do que na África do Sul e 60% a mais do que na de 2006. E é porque nossa Democracia não está atrapalhando nem um pouco. Tivesse atrapalhando a Comissão da Verdade já teria ouvido José Maria Marim e ele seria reduzido a um mero financiador e instigador de torturas.

O legado da Copa que poderia ser políticas públicas melhores e em maior quantidade para o conjunto da população, vai se convertendo em brutais endividamentos de estados e municípios e fragilização dos serviços.

São tantos os cuidados que só caberiam em milhares de cartazes nas mãos de milhares de brasileiros nas ruas para evitar que a Copa do Mundo seja um “Gol Contra a priori”.

Aqui em Natal, já temos o prejuízo da morte matada do Machadão. Conseguimos evitar a violação dos Direitos Humanos à moradia de mais de 1220 famílias, depois reduzidas para 429 e agora, segundo afirmou para o Comitê Popular da Copa Natal 2014, à Associação Potiguar dos Atingidos pelas Obras da Copa e perante o Instituto Ethos, o prefeito Carlos Eduardo Alves, as intervenções de mobilidade não agredirão ao sagrado e constitucional direito à moradia.

Os cartazes poderiam dizer muito mais coisas e eu sempre fico xeretando os momentos dos intervalos dos jogos de futebol ou quando passam os créditos das transmissões que é por ali onde a vida se mostra viva e pulsante.

Mas o cartaz que me causou mais espécie foi quando um sujeito na última fileira da arquibancada, certa feita, levantou de súbito um cartaz: furando o patriotismo canalha e os gritos de emoção artificial:

VAI PENTEAR MACACO Galvão”.

Frase despretensiosa, mas que nos estimula a enfrentar o rolo compressor que está por vir no porvir.

Artigo publicado originalmente no portal Carta Potiguar

Marcos Dionísio Medeiros Caldas é Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN), membro do Comitê Local do projeto Jogos Limpos de Natal e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.

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Comitês Populares da Copa divulgam note de repúdio a eventos recentes da Copa

A Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) publicou no último domingo (28/4) a nota de repúdio “Copa pra que? Democracia e Segurança pra quem?” No texto eles criticam declarações da FIFA, a remoção de famílias em consequência das obras da Copa e ações de repressão da polícia militar.

A ANCOP reúne os comitês de organizações da sociedade civil em todas as cidades-sede da Copa de 2014, voltados principalmente para questões de acesso a moradia. Para os autores a “política repressiva da Copa visa a criminalizar a pobreza e suprimir direitos fundamentais”.

Entre as reclamações dos Comitês Populares estão a recente declaração de Jérôme Valcke, que menos democracia é melhor para organizar a Copa e a violência policial durante a reintegração de posse do antigo prédio do Museu do Índio.

 

Leia a nota na íntegra:

COPA PRA QUE? DEMOCRACIA E SEGURANÇA PRA QUEM?

Remoções de famílias; violência policial; repressão a ambulantes, trabalhadores informais e população de rua; corrupção; endividamento público; obras faraônicas; elefantes brancos; saúde e educação precária; exploração sexual; violação de direitos de crianças e adolescentes; falta de transparência e acesso à informação; elitização do esporte; leis de exceção; proibição de protestos e atividades culturais tradicionais.

A Copa do Mundo já começou! E seu saldo não é positivo para a maior parte do povo brasileiro.

Desde 2010, a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) vem denunciando as remoções e as ameaças de remoção de cerca de 170 mil pessoas. Moradores e moradoras que sofrem a violação de direitos humanos em todas as cidades sedes de obras e projetos para a Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil.

Graças à luta das comunidades ameaçadas, com apoio dos Comitês e redes parceiras, já conquistaram-se vitórias importantes. Mesmo que isso tenha provocado a ira de governos, empreiteiros e agentes da repressão e especulação, a luta diminuiu as violações nas cidades e garantiu direitos. Porém, a gana da FIFA, do COI e dos grandes empresários – por privilégios e por utilizarem a Copa para se tornarem os donos das cidades – voltou com força nesta semana.

Primeiramente, o secretário-geral da FIFA, em mais um ato de ingerência e desrespeito ao povo brasileiro – e com a conivência do governo federal – enfatizou  que copa e democracia não combinam. Lamentavelmente, a população brasileira vem aprendendo isso nos últimos anos, sofrendo diretamente o avanço do fundamentalismo e da repressão popular. Devemos, como integrantes do processo de construção do estado democrático brasileiro, repudiar sempre tais manifestações e ingerências em nossa soberania.

Logo em seguida, Salvador – cidade que já teve as baianas e seus acarajés banidos pela FIFA do entorno da Arena Fonte Nova – recebe a informação que, em nome da “segurança” da Copa das Confederações, a tradicional festa junina de São João corre o risco de não acontecer. Igualmente incerto continua o destino das baianas de acarajé, vetadas de exercerem um ofício tradicional da cultura de matriz africana. A mesma FIFA – que ganhou isenção de imposto e carta-branca para explorar os(as) trabalhadores(as) brasileiros(as) sob o eufemismo de voluntários(as) -, exige que todas as manifestações e protestos, direitos de cultura e expressão – centrais para a constituição brasileira – sejam suprimidas nos jogos.

Finalizando essa rodada de ofensas, assistimos à violência e à repressão policial ao ato pacífico promovido pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas no Rio de Janeiro, contra a mutilação do Complexo Maracanã e a privatização de um estádio que é patrimônio histórico da população brasileira. A mesma arbitrariedade que violou os direitos indígenas na Aldeia Maracanã, agora ameaça o direito ao esporte e à educação, com a tentativa de demolição do Célio de Barros, do Júlio Dellamare e da escola Friedereinch.

Esta não parece ser nem a festa do povo, nem a da democracia. A coibição de manifestações justas e pacíficas, de caráter político, cultural ou mesmo lúdico, expressa mais uma vez que a política repressiva da Copa visa a criminalizar a pobreza e suprimir direitos fundamentais. Enquanto a segurança dos jogos é reforçada, a vitimização de crianças, adolescentes e mulheres ameaçadas pela exploração sexual continua evidente pela ausência de medidas específicas e recursos orçamentários.

A ANCOP repudia firmemente o avanço de leis de repressão, como o PLS 728, que, entre suas propostas, pretende restringir o direito de greve e enquadrar como terroristas quaisquer formas de ativismo político constitucionalmente asseguradas. Abominamos também as declarações fascistas, acompanhadas de ações violentas e anti-democráticas contra o povo brasileiro.

Conclamamos o povo atingido a se contrapor a esta Copa do Mundo que viola os direitos historicamente conquistados e favorece os interesses da FIFA, dos grandes empresários do capital e de políticos a eles associados. Copa para quem? Os impactados somos todos nós.

São Paulo, 28 de abril de 2013.

Fonte: Comitê Jogos Limpos

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Américas: Economias crescem, as democracias encolhem.

O que é que a corrupção tem a ver com isso?

Por Alejandro Salas*

Para as Américas, 2012 foi um grande ano positivo em muitos aspectos. Como importantes
indicadores econômicos e sociais mostram uma melhora, há um sentimento de otimismo
em toda a região, especialmente na América Latina. Enquanto a campanha presidencial nos
Estados polariza ideias e cidadãos, com foco menor sobre a situação econômica, muitos países
da América Latina e do Caribe, têm altas taxas de crescimento e mostram sinais de redução da
pobreza.

As exportações subiram em volume e em valor, as classes médias cresceram significativamente
e o investimento estrangeiro voltou fortemente para a região. As taxas de pobreza diminuíram
mais de 15 por cento na América Latina e no Caribe na última década. Juntamente com estes
desenvolvimentos positivos está o fato de que a democracia parece ter se tornado firmemente
estabelecida como o sistema predominante de governo em uma região onde, há poucas
décadas atrás, ditaduras e guerras civis estavam na ordem do dia.

Todos estes pontos são motivos para comemorar. Mas é essa imagem realmente otimista
quando olhamos com mais detalhes? Ainda temos níveis de corrupção. Como o Índice de
Percepção da Corrupção 2012 da Transparência Internacional, lançado hoje, a América Latina é
a região que apresenta índice abaixo da média global. O índice classifica 176 países de acordo
com seus níveis percebidos de corrupção no setor público, dos quais 32 estão na América
Latina. Dois terços dos países não atingem nem mesmo o meio do ranking mundial – o que
indica que a corrupção é um problema sério em muitos países da América Latina.

Há vários desafios à frente para a região que, se não tratados, podem reverter os progressos
realizados. Um deles é que, apesar do crescimento econômico formal, ainda é a região mais
desigual do mundo. Doze dos 20 países do mundo com maiores níveis de desigualdade estão
na América Latina. Outra das principais questões pendentes para alguns países da região é,
sem dúvida, a governança democrática que vai além do dia da eleição. A democracia não deve
ser vista apenas como o ato de votar em um candidato, mas sim como exercício de nossos
direitos como cidadãos.

A democracia deve ser “vivida” no nosso dia-a-dia. Ao exigir e receber informações para
entender como os nossos impostos são gastos, expressando ideias e opiniões livremente e
sem medo de repressão, ou, por saber que será tratado de forma justa e imparcial por um
Judiciário autônomo e profissional. Estas são apenas algumas das centenas de maneiras
em que um regime democrático que funciona bem, se manifesta. Quando esses recursos
estão faltando, a governança democrática não funciona corretamente, independentemente
da existência de eleições, e o pacto social que permite que as pessoas vivam em paz, na
estabilidade e para o progresso, é severamente prejudicada. Aqui é onde muitos países da
região não conseguem avançar, muitas vezes como resultado de corrupção, suborno e falta de
transparência.

Além disso, tão surpreendente quanto poderia ser, à primeira vista, Honduras e El Salvador
estão entre os países mais violentos do mundo. Honduras é, de fato, o mais perigoso, com
uma taxa de homicídios de 82 homicídios por 100.000 habitantes. Enquanto a média mundial é
de nove casos, a América Latina é de 27.

A desigualdade de renda e a violência estão diretamente ligadas como consequência da fraca
governança democrática e de práticas corruptas. Drogas, armas e seres humanos dificilmente
podem ser contrabandeados sem pagar suborno, abuso dos recursos do Estado é difícil de
conseguir quando há instituições de fiscalização autónomos, e as decisões políticas não
favorecem grupos específicos contra o benefício da maioria, quando não há transparência.
Todos esses fatores, subornos, impunidade e limitado acesso à informação pública, entre
outros, permitem a corrupção.

Infelizmente, existem numerosos exemplos que demonstram que: na Guatemala se tem
registro de 98% de taxa de impunidade, mostrando uma falta dramática de justiça no país. No
México, sete jornalistas foram assassinados até meados de novembro só este ano para fazer
o seu trabalho. Durante a campanha presidencial venezuelana de 2012, se mostrou abusos
de recursos do Estado pelo presidente Chávez , quando, dos 5271 minutos de tempo na mídia
que ele usou, de acordo com a lei, para transmitir questões de assuntos do Estado, de janeiro
a julho, mais de três quartos foram transmitidos em julho sozinho, quando o período de
campanha oficial começou.

É claro que as economias em crescimento, além das Américas, precisam urgentemente de
decisões e ações políticas que suportem uma mais justa distribuição da riqueza e poderes
democráticos. Para chegar lá, a região precisa de líderes que pensam em políticas de longo
prazo, de instituições estáveis ?e modernas, assim como cidadãos capazes e dispostos a exercer
a democracia em suas vidas diárias.

Nos Estados Unidos, historicamente, um dos fatores desafiadores tem sido uma demanda
relativamente baixa para inserir a luta contra a corrupção, na agenda política. No entanto, há
um crescente reconhecimento de que a corrupção é um problema. 81,7% dos cidadãos norte-
americanos acredita que a corrupção política desempenhou um papel importante na crise
financeira, e antes das recentes eleições, eleitores disseram que a redução da corrupção no
governo federal era uma prioridade extremamente importante para o próximo presidente
resolver, logo após a criação de emprego. Agora é o momento, para os políticos decidirem,
agirem.

Na região das Américas como um todo, o país que apresenta a maior variação no Índice de
Percepção da Corrupção deste ano é a Colômbia. Apesar do governo liderado pelo Presidente
Santos pressionar por reformas institucionais, incluindo uma nova lei anticorrupção, agora é o
momento para essas reformas mostrem resultados concretos e para que o sistema judiciário
possa lutar contra a impunidade relacionada à corrupção. Punir aqueles que recorrem à
corrupção é essencial para o país.

No entanto, em alguns países da região, há um bom momento para continuar a construir
esforços anticorrupção, de mãos dadas com as crescentes perspectivas econômicas. Um
exemplo positivo deste ano é o Brasil, onde, juntamente com a aprovação e implementação
de leis importantes como a Lei Ficha Limpa e a Lei de Acesso à Informação e até mesmo o
Mensalão, que mostra o combate à impunidade.

Os tomadores de decisão e os cidadãos não devem se esquecer de que o presente e o
futuro da prosperidade econômica precisa ser acompanhado de governança democrática
e erradicação da corrupção. Se não, o crescimento não ocorrerá e, problemas contínuos e
graves, como a desigualdade e a insegurança dos cidadãos continuarão sendo características
que dificultam o progresso na região.

*Alejandro Salas é Diretor para as Américas da Transparência Internacional

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