Como vai o direito de acesso à informação nos municípios brasileiros?

No final do mês em que a Lei de Acesso à Informação (LAI) completa 2 anos no país, a AMARRIBO Brasil e a ARTIGO 19 fazem um alerta para a garantia desse direito nos municípios brasileiros. Apesar dos avanços, as duas organizações consideram que ainda há muito a ser feito, principalmente em nível municipal.

Para Paula Martins, Diretora da Artigo 19, é no âmbito municipal onde estão os maiores desafios de implementação da LAI. "Alguns municípios têm sido a exceção e demonstrado real comprometimento com a LAI. Adotaram as normas necessárias e criaram instâncias internas e salas e portais de informação ao cidadão. Mas a grande maioria das localidades ainda anda longe da letra da lei”, diz.

Uma pesquisa feita com a Rede AMARRIBO Brasil-IFC, formada por organizações e movimentos locais de controle social que fiscalizam a gestão pública de seus municípios, e a ABRACCI – Articulação Brasileira Contra a Corrupção e a Impunidade, demostra que ainda são muitas as dificuldades para garantir o acesso à informação.

A maioria dos municípios não regulamentou a LAI, conforme prevê a legislação federal. Em Niterói (RJ), o Fórum da Transparência e Controle Social precisou pressionar tanto o Executivo como o Legislativo para que a regulamentação não só ocorresse, mas para que fosse feita via lei municipal.

“Entramos no Ministério Público e acionamos a justiça. O prefeito ia fazer um decreto de regulamentação da LAI e pedimos que a regulamentação fosse feita por projeto de lei, para valer tanto para o Executivo quanto para o Legislativo. Negociamos os termos do projeto de regulamentação com representantes do município e na última quarta-feira (21/05), o prefeito sancionou a Lei de Transparência Municipal de Niterói. Foi uma grande conquista para nós”, conta Guilherme Magalhães, presidente do Observatório Social de Niterói.

Porém, a regulamentação é só o primeiro passo. João Pessoa (PB) também possui uma lei municipal que regulamenta o acesso à informação, mas a legislação por si só não é suficiente para construir uma cultura de transparência. “Ainda há um hiato considerável entre o discurso e a prática, que resulta na omissão de informações e na não publicização das ações da gestão pública. Prevalece o costume de divulgar ações de forma personalista, com a finalidade de evidenciar a figura do gestor, enquanto se peca, por exemplo, na divulgação de audiências públicas, na disponibilização de informações sobre projetos e na publicação sistemática de dados governamentais”, diz Karine Oliveira, Coordenadora do Instituto Soma Brasil e integrante do Conselho de Transparência de João Pessoa.

Em Mandaguari (PR) o Observatório Social de Mandaguari – ADAMA também cobrou a regulamentação da LAI por inúmeras vezes junto à Prefeitura e à Câmara. Em 2013, o Executivo municipal regulamentou a LAI através de decreto – no entanto, este não vem sendo cumprido em vários aspectos, conta Elza Xavier. A Câmara Municipal, assim como a Prefeitura, não vinham respeitando os prazos para responder os pedidos de informação, como também não vinham fazendo as devidas publicações em seu Portal de Transparência. O Observatório Social de Mandaguari – ADAMA encaminhou denúncia ao Ministério Público e, quatro dias depois, a Câmara Municipal  realizou a maioria das publicações em seu portal.

Foi também através do Ministério Público que Belém conseguiu um grande avanço. O decreto estadual nº 1.043/2012 possibilitou o acesso ao sistema de controle de estoque de medicamentos, via internet (veja nos links: http://goo.gl/Z9itAv  e  http://goo.gl/4EnWyY). A medida é inédita no país e chega na esteira de recomendação realizada pelo Ministério Público Estadual para que o Município de Belém e o Estado do Pará disponibilizassem mensalmente os relatórios de  controle de estoque de medicamentos na internet, possibilitando que qualquer cidadão monitore a quantidade dos produtos de seu interesse nos estoques públicos, evitando superestimação e desbastecimento por falta de planejamento. “A medida está sendo acompanhada pela Campanha ‘O Melhor Remédio é a Transparência’ no Facebook”, conta Ivan Costa, do Observatório Social de Belém.

“Em Antonina do Norte (CE) temos dificuldades em protocolar os pedidos. Recentemente tentamos fazer um pedido de informação e ninguém recebeu, apelamos para o Ministério Público”, relata Francisco Fernandes da Ação Cearense de Combate a Corrupção e Impunidade – ACECCI.
Em Cachoeira Dourada (GO), os integrantes da Transparência Cachoeirense fizeram 9 pedidos de informação ao Executivo municipal, e apenas 2 foram respondidos. Os outros 7 pedidos só foram respondidos depois que a organização entrou com um mandado de segurança. Sélio Silva, presidente da ONG, relata que a administração local  vem recusando sistematicamente dar qualquer explicação aos pedidos feitos.

Situação semelhante ocorre em Tucuruí (PA). De acordo com André Luiz, da Transparência Tucuruí, a transparência na cidade é zero. “Não existe nenhuma transparência nas contas da Prefeitura, não sabemos o montante da arrecadação municipal e muito menos como estes recursos são aplicados. Todas as solicitações de informações protocoladas na prefeitura municipal são ignoradas. Apesar das inúmeras denúncias, até agora a Justiça e o Ministério Público não tomaram nenhuma providência. A população não tem para quem reclamar”, critica.

Para Fábio Oliva, conselheiro da AMARRIBO Brasil, a regra deveria ser a transparência completa. “Infelizmente, a publicidade tem sido exceção. Não dá para aceitar que ainda haja administradores públicos escondendo informações e documentos que, na realidade, pertencem à sociedade. A população precisa ter em mente que na grande maioria das vezes só há sigilo porque há coisa errada. Qual problema acarretaria para um gestor honesto, que não furta e que não admite corrupção, expor e divulgar suas prestações de contas? Nenhum. A maioria não divulga porque tem medo do que se possa descobrir”, afirma.

Outro problema relatado pelas organizações da Rede Amarribo Brasil-IFC é a qualidade das respostas. Muitos pedidos são respondidos com informações erradas ou incompletas. Fábio Cavazotti, do Observatório de Gestão Pública de Londrina (PR) conta que na cidade, apesar dos avanços na prestação de informações pelo poder público municipal com a LAI, há grandes problemas na qualidade das informações. “De forma geral, as respostas são burocráticas, mal redigidas e não atendem às solicitações”, conta.

Em Montes Claros (MG),  o Portal da Transparência é tão complexo a ponto de ser um desinformador ao cidadão. “O município tem mais de 400 mil habitantes, e o site da prefeitura está desatualizado a ponto de não termos acesso as Leis anteriores à 2006”, diz Fernando Rodrigues, da AMAMOC.

É importante lembrar alguns requisitos indispensáveis para que o direito, de fato, seja garantido. Henrique Ziller, diretor do IFC e conselheiro da AMARRIBO Brasil, destaca duas características essenciais da informação: “ela deve chegar ao destinatário, e deve ser compreensível. Informação que não chega ou que não é compreendida não é informação. Páginas de sites de órgãos públicas muitas vezes assemelham-se a quebra-cabeças para cidadãos com menos instrução. Não adianta apenas “disponibilizar” informação na internet. O cidadão tem que saber como acessá-la, como chegar nela, e tem que entender o que estiver ali informado”.

"Dada a extensão do território brasileiro e o número de municípios, é importantíssimo que a sociedade civil se mobilize para demandar e monitorar a implementação da LAI. Temos vistos avanços desde que a lei foi aprovada, mas para garantir a efetividade do direito de acesso à informação para o cidadão e a cidadã em questões pertinentes ao seu cotidiano, precisamos focar no âmbito local”, diz Paula Martins.

Para Ziller, “o cidadão adequadamente informado conhece melhor seus direitos e oportunidades, e é capaz de cobrar do governo que desempenhe de maneira adequada suas funções”.

A AMARRIBO Brasil e a ARTIGO 19 convidam a todos e todas a celebrarem os 2 anos da LAI  lutando por esse direito e fortalecendo o processo democrático em suas cidades.

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Texto produzido pela AMARRIBO Brasil e ARTIGO 19 em comemoração aos 2 anos da Lei de Acesso à Informação. Reprodução autorizada desde que citada a fonte com o link original.

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O acesso é para o cidadão

Por Marcelo Soares*

Em 2008, tive a honra de visitar Malmö, na Suécia – a cidade onde nasceu e morreu a avó de minha avó. Ao visitar o arquivo público municipal, em menos de
meia hora tinha em mãos os documentos manuscritos que registravam sua partida para o Brasil; sua volta à cidade, 17 anos depois; e sua morte, de um misto de tuberculose e meningite pegas no navio, pouco depois de aportar em sua terra. Uma breve busca num banco de dados publicamente disponível me permitiu
localizar exatamente onde está seu túmulo. 

A Suécia foi o primeiro país do mundo a ter uma lei de acesso a informações públicas, 130 anos antes de dona Carolina Olsson emigrar. Por causa disso é que os arquivos são organizados o suficiente para que, cem anos após sua morte, um tataraneto curioso possa rastrear seus passos. Depois do pioneirismo da Suécia, mais de oitenta países criaram suas leis de acesso a informações públicas antes de o Brasil dar efeito à sua. 

Esse é o mais importante direito fundamental pouco conhecido pela maioria. O acesso a informações públicas permite obter dados para exercer direitos – dos mais amplos, como o direito a conhecer a história do país, aos mais pessoais, como conhecer melhor uma parente que o curioso não teve a satisfação de conhecer. Geralmente, quando se falava em acesso a documentos do governo, a referência imediata costumava ser a dos papeis da ditadura militar. Claro que é importantíssimo acessá-los para resgatar a história do Brasil – ainda que o Arquivo Nacional tenha baixado uma ordem pra só liberar documentos sobre pessoas caso o curioso obtenha informações por escrito.

Os primeiros meses de vigência da lei de acesso no Brasil, porém, mostraram que não é apenas para conhecer o passado que serve uma lei assim. Uma lei que garanta o direito de acesso a informações públicas serve antes de mais nada para o cidadão saber o que está acontecendo AGORA. Ou o que aconteceu há pouco tempo. É apenas com essa urgência que os direitos bem-informados se podem fazer cumprir.  Essa observação entrou muito timidamente no debate público antes da criação da lei – falava-se em “lei que permite ver documentos sigilosos” (não é o caso; documentos dentro do prazo de sigilo ainda não são públicos), por exemplo. 

Ainda assim, o cidadão captou a mensagem tão logo a lei passou a valer. Boa parte dos pedidos de informação diz respeito a salários dos servidores públicos.
E aí, começaram as reações corporativistas a essa mudança de cultura. No Senado, por exemplo, colocou-se no site uma tela de consulta por nome do servidor, onde você só pode ter acesso a dados se tiver de cabeça o nome de um dos 6.364 servidores da Casa (sim, é o equivalente a 78 servidores por senador). Um terço deles, aliás, está em “regime especial de frequência” – ou seja, não precisa bater ponto, tal como a playmate Denise Rocha Leitão antes de ser exonerada.

Tribunal após tribunal reconheceu que a informação dos salários dos servidores é pública. Atendendo a contragosto à determinação, os órgãos públicos resolveram impor a barreira do cadastro e informar aos consultados. O que é um perigo.

Para baixar os dados completos no Senado (e não só), você precisa preencher um formulário, informando seu nome, o endereço da sua casa e o seu CPF. O IP do seu computador também fica registrado. Por que raios o Legislativo precisa saber seu endereço para dar informações pela internet? Simples: para intimidar os curiosos.

Isto consta do ato interno que regulamentou o fornecimento de informações da Câmara:

Art. 7º Qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações da Câmara dos Deputados, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida.

•  5º Dar-se-á ciência a deputado ouservidor sobre teor de requerimento de acesso à informação no qual tenha sido nominalmente identificado.

Ou seja: tudo o que você perguntar sobre um deputado ou servidor específico, ele vai ficar sabendo. Se você for jornalista, pode estar revelada sua pauta. Se você for um opositor, estará exposto a pressões. Dependendo da informação pedida e do canto do Brasil de onde for o deputado, estará exposto até a ameaças ou coisa pior.

“Descobri que uma ex-namorada minha pesquisou meu salário”, disse um amigo que trabalha no Senado. “Não gostei de saber disso, mas paciência; é o direito dela.” Um amigo que trabalha num órgão público de Porto Alegre teme pela segurança de sua família – e se bandidos pesquisarem sua vida financeira? (Pessoalmente, tendo a pensar que os bandidos preferem mirar quem dá sinais externos de riqueza, como carrões – o que claramente não é o caso dos amigos. Duvido que um bandido requisitaria informações públicas para escolher potenciais alvos.)

Ao tratar qualquer curiosidade como potencialmente criminosa, porém, o corporativismo dos órgãos públicos procura matar no nascedouro a cultura de informações públicas que mal e mal estamos começando a ter. Dias depois de eu publicar essa observação, veio à tona a triste história de Weslei Machado, servidor público, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao consultar remuneração de servidores ao acaso, uma se irritou. Levantou seus dados de contato e entrou numa batalha verbal com o consulente.

Esse tipo de medida vai completamente contra o espírito da lei de acesso a informações públicas, porque não protege a privacidade de quem consulta informações que o poder público é obrigado a fornecer. Na Câmara, existe o mesmo tipo de medida.

Pessoalmente, acredito que a divulgação dos salários dos servidores prejudica muito, mas muito, menos a segurança do servidor do que a exigência de identificação prejudica a segurança do curioso. No caso de Weslei Machado, houve basicamente uma desinteligência. Mas imagine, por exemplo, o que fariam nas regiões de faroeste do Brasil a quem consulta informações sobre os proprietários de fichas sujas de sangue.

O poder ainda está acostumado àquela lógica do sigilo que só colabora com o velho jogo de Super-Trunfo entre governo e oposição. Um lado chantageia o outro com o que sabe. A grande arma é a ignorância do cidadão. Enquanto o cidadão não sabe, governo e oposição ficam felizes no seu grenal. Quando o cidadão fica sabendo, é um auê. Perceba: o cidadão saber é considerado punição, não regra. E, quando se determina a obrigação de contar ao cidadão, os órgãos públicos fazem de tudo para intimidar os curiosos.

O problema da lógica do sigilo é que a escuridão faz fermentarem grandes problemas, que só aparecem quando estão grandes demais para serem resolvidos.

Na Suécia da minha tataravó, até os e-mails de autoridades são considerados documentos públicos e desde 1998 podem ser requisitados por qualquer cidadão. Cada vez em que abro o jornal e vejo um novo escândalo envolvendo funcionários contratados sabe-se lá para quê usando influência política para emplacar autoridades que beneficiarão sabe-se lá quem, lembro daquela terra gelada.

*Marcelo Soares, é membro da equipe de Novas Plataformas da Folha de S.Paulo e membro do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ).

 Artigo publicado originalmente em MPD Dialógico – Ano VIII – nº39: http://www.mpd.org.br/img/userfiles/file/Dialogico39_FINAL_bx.pdf

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