Por Karine Oliveira*
Festas são um recurso fartamente utilizado pelos gestores públicos desde a Roma antiga, quando se utilizava largamente a política de panes et circenses – prover comida e diversão ao povo com o objetivo de diminuir a insatisfação popular pelos governantes.
No Brasil tornou-se rotina torrar dinheiro público em festas sem se preocupar com quanto custem. E nem com o fato de que são pagas pelos impostos dos contribuintes, nós, que nunca somos consultados sobre como tais recursos deveriam ser aplicados.
Um caso que ganhou renome nacional, há pouco tempo, foi o pagamento de 650 mil reais pelo Governo do Estado do Ceará para que a cantora Ivete Sangalo fizesse o show de inauguração de um Hospital. O Ministério Público de lá achou escandaloso e solicitou a devolução do valor aos cofres públicos. Eu pessoalmente acho que todo tipo de despesa pública com inaugurações devam ser vedadas. Desde balõezinhos coloridos com a cor utilizada na campanha eleitoral a showzaços superfaturados. Salvo se o gestor pagasse as despesas do seu próprio bolso. Quem toparia pagar essa conta no lugar do contribuinte?
Aqui na nossa Paraíba, tivemos em meados de 2012 a Operação Pão e Circo, da Polícia Federal, que prendeu 28 pessoas, entre elas 3 prefeitos, envolvidas no desvio de 65 milhões de reais com a realização de… festas!
E não fosse a vultosa quantia aplicada, as festanças ainda dão ensejo ao uso politiqueiro e eleitoral. São “vendidas” para a população como um “presente”. Só não se fala quanto custa e quem paga a conta. Outro fato que me estarrece: direciona-se uma grande quantidade de dinheiro – público, lógico – para alardear na mídia a realização da própria festa. Pura autopromoção.
Na Paraíba de 2013 vejo com surpresa nas redes sociais a informação de que a Prefeitura Municipal de João Pessoa gastará R$ 519 mil reais com as duas atrações musicais que se apresentarão no réveillon na Praia do Cabo Branco. Fiquei aqui a matutar com o custo geral da festa e acabei de fazer uma solicitação com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) para que a Prefeitura Municipal de João Pessoa detalhes o valor dos gastos efetuados com as festividades de Natal e do Reveillon. Pela LAI, a PMJP tem até 20 dias para fornecer tais informações. Aguardemos.
Enquanto isso, um dado preocupante é o fato da banda Sambô, uma das que tocará no réveillon de 2013 por 320 mil reais, ter sido contratada em abril do mesmo ano para a realização de show similar em Marília (SP) por cerca de 40 mil reais, valor 8 vezes inferior à contratação feita pela Funjope – Fundação Cultural de João Pessoa. A informação é do Blog do Tião Lucena. Confira aqui. Certamente a Funjope deve explicações a este respeito.
Numa rápida pesquisa no Sagres – http://sagres.tce.pb.gov.br/, vi que Os Paralamas do Sucesso foram contratados ao custo de 300 mil reais no réveillon de 2012 e que Rita Lee foi contratada por 278 mil reais no réveillon de 2011. A questão que coloco aqui vai além da distância que separa Sambô destas e de outras atrações, como Astier Basílio já ilustrou muito bem em recente postagem. É legítimo pagar 8 vezes mais pela mesma atração? E mesmo que seja a atração seja uma unanimidade, é razoável pagar 200 mil, 300 mil, por um show de uma hora e meia, diante de tanta urgência e prioridade na demanda por serviços públicos? Esse tipo de festa só acontece porque é com o chapéu alheio.
Também caberia questionar aqui a gritante disparidade no tratamento dispensado pela mesma Funjope aos artistas contratados por valores milionários em detrimento dos artistas locais. Pululam nas redes sociais queixas dos artistas da terrinha sobre não pagamento, atraso nos pagamentos, descaso, omissão, etc.
Não, eu não acho que a cidade deva ficar sem festa de Natal e Ano Novo. O que acho é que os critérios que norteiam as decisões sobre como e quanto gastar nesse tipo de evento devem ser publicizados e discutidos com a sociedade civil.
E para não ser injusta, pelo que sei, todos os governos, municipais e estaduais, na Paraíba e em todo lugar, tem essa prática nefasta. Mas a sociedade não precisa aceitar que seja sempre assim.
Sim, boa parte da cidade vai sambar e reguear feliz no dia 31 em show que ganhou de “presente” sem saber que paga a conta e que a fatura é alta. Mas o simples fato dessa discussão vir à tona, mostra que algo está mudando. Quem sabe na próxima festa a gestão municipal aceite discutir quanto vale o show?
*Karine Oliveira é coordenadora do Instituto Soma Brasil (https://www.facebook.com/institutosomabrasil) e colunista do Jornal da Paraíba.
Artigo publicado originalmente no Blog Cidadania & Etc, do Jornal da Paraíba, em: http://blogs.jornaldaparaiba.com.br/cidadaniaetc/2013/12/27/show-de-presente-e-quem-paga-conta/