O TRANSPORTE PÚBLICO

O TRANSPORTE PÚBLICO

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Jacy de Souza Mendonça

** Com a assim denominada “greve dos caminhoneiros” explodiu a evidência dos erros de nosso sistema público de transportes. Alguns fatos antigos voltaram também à minha memória e sinto o dever de dividi-los com os demais.

Eu era ainda criança e podia viajar de trem por todo o meu Estado do Rio Grande do Sul, o que em parte fiz, na Maria Fumaça, para a praia do Cassino e outros lugares. Entre minha cidade natal, o Rio Grande, e Porto Alegre poderia aproveitar também o trem, mas seria muito demorado, pois precisaria percorrer quase todo o interior do Estado até chegar ao destino. Nesse caso, usávamos um navio, o Cruzeiro do Sul, ou a Geny Naval, este último um barco movido a rodas, similar aos que flutuavam então no Rio Mississipi/EUA. Os muitos rios do RGS e as lagoas dos Patos e Mirim eram cortados diariamente por embarcações de passageiros ou carga, algumas ainda sob a forma de veleiros. Logo depois de formado, assumi a Promotoria de Justiça em São Pedro do Sul (próximo a Santa Maria) e passei a percorrer o trecho de Porto Alegre até lá em trem elétrico.

No Brasil, a ferrovia tinha sido lançada pelo Barão de Mauá, em Petrópolis, com a presença honrosa de D. Pedro II. O Estado de São Paulo, em pouco tempo, foi também cortado por ferrovias que se estenderam para o sul, exigindo obras memoráveis de engenharia, como a descida da Serra do Mar em Paranapiacaba/SP e Paranaguá, no Paraná. Todas essas vias férreas desapareceram. Quando? Por quê? Quando Getúlio Vargas, fascinado pelo fascismo, desapropriou as empresas e constituiu a Rede Ferroviária Federal S/A. Nada mais se fez, desde então. Tudo foi enferrujando e apodrecendo até restarem ruínas. Temos hoje apenas 30 mil quilômetros de ferrovias para transportar minério e um pouquinho para fins de turismo. Só para comparar, os EUA têm mais de 300 mil quilômetros de linhas em uso.

A navegação tem história ainda mais triste entre nós. Fomos beneficiados com a maior costa marítima do mundo (8.000 km); temos a maior rede fluvial do mundo, que inclui o rio mais caudaloso do planeta; temos apreciável quantidade de lagoas navegáveis; graças a isso, tivemos a segunda maior navegação de cabotagem do planeta (perdendo apenas para a Inglaterra), com inúmeros barcos a vapor, considerados grandes à época, batizados com nomes indígenas começados por “Ita” ou “Ara”. Eram 17 Itas e 3 Aras, todos da Cia. Nacional de Navegação Costeira do Rio de Janeiro. Ligavam o porto de Manaus ao de Rio Grande, com escala em todos os portos intermediários. Três destas embarcações foram afundadas na 2ª Grande Guerra, deixando apenas a lembrança de Dorival Caymi que “pegou um Ita no Norte para vir no Rio morar”… Quando e por que desapareceram as demais? Quando as empresas a que pertenciam foram estatizadas também por Getúlio Vargas.

Os gaúchos supriram durante algum tempo a carência no transporte de longa distância para pessoas e coisas nesse país continental com a fundação da VARIG, até essa empresa ser consumida pela carga tributária nacional.

Foi assim que, por necessidade e fanática decisão política, ficamos escravizados ao transporte rodoviário. Nossas rodovias eram péssimas. Minha primeira viagem de carro entre Rio Grande e Porto Alegre (300 km), atravessando rios de barcaça e sendo puxados por juntas de boi no atoleiro, durou três dias: os três dias do Carnaval de 1949… Com o tempo, as vias melhoraram. Algumas são até razoáveis, mas muitas perduram precariamente como lembrança do Carnaval que passou.

O mais triste é que o governo brasileiro de hoje não dispõe de recursos para construir ferrovias, adquirir locomotivas e vagões nem para administrar tudo isso; o mesmo quanto à navegação: não há como comprar ou fabricar embarcações, construir portos e administrá-los. Nem há também cidadãos brasileiros com recursos para fazer tal investimento e correr os riscos da fome tributária brasileira. A solução do problema passaria então, necessariamente, por oferecer aos estran